Lagoa da Bomba: um pouco de História, um pouco de saudade

Há lembranças da infância que permanecem vivas na nossa memória. A Lagoa da Bomba faz parte de minhas boas lembranças. No tempo de criança, via algumas mulheres do bairro Paes Leme caminharem até suas águas para lavarem roupas. Água clara, cristalina. Peixes em abundância.

Um dos caminhos até ela passava nos fundos de minha casa, onde havia um banhado. Pelo caminho estreito até sua margem, via-se cobras, pequenos mamíferos e aves diversas pousadas nas incontáveis árvores. À medida que nos aproximávamos, eles fugiam. Escondiam-se na vegetação farta, no mangue que se estendia por uma grande área, desde a lagoa até as proximidades do Colégio Annes Gualberto (foto abaixo) (o colégio foi construído em cima do mangue).

Nas águas da lagoa divertíamo-nos no verão, agarrados em "boias de câmara de ar" e até mesmo nas "jangadas" feitas com toras de bananeira. Sobre esses "brinquedos" atravessávamos a lagoa como caminho para a praia. Assim era mais divertido. Pescar com caniços nos finais de semana, também. Eu e meus colegas sentávamos lado a lado às marges das águas ainda claras e ali passávamos horas. Saudades!

Em poucos anos a poluição passou a ser visível em suas águas. Nelas a Indústria Cerâmica Imbituba, desde antes de eu nascer, aterrava e despejava resíduos de sua produção sobre o mangue. A Rede Ferroviária também aterrou parte da lagoa para alterar o traçado da via férrea. Mas a Lagoa da Bomba resistia. E ainda era possível pescar carás, tainhotas e até camarão.

Por muitos anos, a água consumida por boa parte da população abastecida pela Casan vinha da lagoa. E isso perdurou até que as águas para abastecimento fossem captadas no Rio D'Una, em Imaruí-SC.
A Casan também contribuiu com o aterramento da lagoa, para construir a casa onde ficavam os motores usados na sucção da água.

No final dos anos 70, vi as máquinas da prefeitura aterrando boa parte do mangue que ainda restava. Era triste ver tantos animais sendo soterrados, sem que houvesse qualquer preocupação com o meio ambiente. Nem se pensava nisso, naquela época.
Quando iniciaram o aterro, um enorme lago formou-se nos fundos de minha casa e de vizinhos, como se a lagoa tentasse fugir da morte. Grande quantidade de peixes agonizava.
A Avenida Santa Catarina cruzou o mangue e outras ruas foram abertas. A área aterrada que não foi utilizada para ruas, foi vendida em lotes pela Emacobrás. Afinal, "tudo" em Imbituba era da Emacobrás.

Antes desse aterro feito pela prefeitura, as terras ao redor do banhado eram secas. Após o aterro, o nível subterrâneo das águas subiu, impedindo a construção de fossas sépticas e prejudicando o funcionamento das que já existiam. Em razão disso, iniciou-se o despejo de esgostos domésticos na lagoa, via rede pluvial.

Com mais casas construídas no entorno da lagoa, a Bomba não suportou mais em seu leito a enorme quantidade de dejetos de todos os tipos. Sem seu mangue, morria. Sem ninguém para protegê-la, sofria.
Seus peixes se extinguiam. Quase solitária, abandonada por uma população que matou sua sede com sua água, a Bomba esvaecia. Seu corpo ficou verde. E uma invasão de aguapés cobriu a lagoa, sufocando-a ainda mais.

De repente, alguns decidiram que a Lagoa da Bomba tinha de ser salva. E após muita pressão, projetou-se um sistema de tratamento de efluentes e construíram um enorme tanque para receber e tratar o esgoto das casas do bairro. E, aos poucos, a Bomba reage. Revive feito uma Fênix. Mas a proteção de sua quase extinta mata ciliar continua sem receber a atenção dos órgãos que deveriam fiscalizar e atuar para preservá-la. Sem a mata haverá assoreamento, diminuindo o lago.

Leitores, baseado em conversa com meu pai, que rebuscou em sua memória os limites da Lagoa da Bomba e seu mangue, usei uma foto (clique para ampliá-la) do Google Earth para traçar (linha amarela) esses limites. A linha azul delimita apenas a extensão da lagoa. Evidentemente que se trata de delimitações que podem ser muito menores que a área original, pois foi considerada a área vista por meu pai.


Se alguém sonhou um dia em ver pedalinhos na lagoa, ou se sonhou em transofrmá-la em um lago turístico, saiba que a lagoa ainda não está salva. E eu, que ainda tenho lembranças como se fossem sonhos, a única coisa que queria era poder molhar meus pés naquelas águas e sentir minha infância novamente.

(As fotos do colégio e do reservatório da Casan foram extraídas do livro Imbituba, de Manoel de Oliveira Martins.  A foto da lagoa com aguapé foi produzida por Karibyan e anexada ao site Panorâmio)

Um comentário:

  1. Ao leitor que enviou comentário denunciando bueiro na Rua Nereu Ramos que serviria para esgoto doméstico, informo que não publiquei seu comentário porque não tinha relação com o post acima, como também não foi enviado de acordo com as observações a serem seguidas para postar comentários.
    Verificarei sua denúncia.

    Obrigado.

    ResponderExcluir

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