O pleito eleitoral e o princípio do benefício próprio: revisitando Hobbes

Por Arrison Berkenbrock

Para o desespero daqueles que detestam política, eis mais um pleito eleitoral chegando! O cenário é suficientemente conhecido; propagandas eleitorais obrigatórias, candidatos dos mais variados gostos, “santinhos”, partidos, coligações, gasolina, placas, bandeiras, comícios, arrastões, cabos-eleitorais, promessas, tapinhas nas costas, conflitos, rádios monotemáticas, aduladores, povo etc...

Para aqueles poucos indivíduos que não sacrificaram o intelecto no altar do comodismo, da superficialidade e da mediocridade, o período eleitoral mais do que um momento permeado por fatos que, seguramente, não nos deixam equidistantes, é também uma ocasião oportuna para a reflexão, troca de ideias e para analisar os conflitos entre o real e o ideal. São nas eleições e nos seus desdobramentos que as teorias políticas são questionadas e testadas pelo peso das evidências empíricas. Alguns pensadores passam a ser admirados, não somente pela profundidade de suas elucubrações, como também pela validade de seus argumentos; outros são descartados por conta da inviabilidade prática de suas ideias. É certo que a vida política não é nada sem ideais, mas os ideais são vazios quando não se relacionam com possibilidades reais. Precisamos saber tanto que tipo de sociedade gostaríamos de criar quanto os meios concretos para nos aproximarmos dela.

No intento de compreender o momento presente, gostaria de trazer a lume algumas ideias de um dos maiores filósofos políticos da modernidade, o inglês Thomas Hobbes. Não se tem como pretensão fazer um discurso apologético do supracitado pensador, o objeito deste artigo é tão-somente evidenciar a atualidade de seus pensamentos.

O ponto de partida da filosofia política de Hobbes é a afirmação segundo qual não há nada pior do que a guerra. A guerra cria óbices para o desenvolvimento das sociedades, das ciências, das indústrias, impede o trabalho e destrói os laços de sociabilidade. As pessoas ficam mais desconfiadas, não há garantia de coisa alguma, impera o temor generalizado e o pior de tudo é que o bem primário – a vida – está em constante ameaça. Sendo a guerra intrinsecamente um mal, é necessário a criação de um corpo político que possa asseverar a paz – o Estado. Portanto, para Hobbes, o fundamento do Estado não é a natureza humana que se abre para a solidariedade, mas o medo e a busca pelo benefício próprio.

Partindo dessa compreensão, na visão hobbesiana os homens agem em nome de seu próprio benefício e tendem naturalmente à guerra e não à associação. Os homens não têm naturalmente prazer algum na companhia uns dos outros e não se reúnem movidos pelo amor ao próximo, mas por interesse próprio. Preconiza Hobbes “toda associação ou é para o ganho ou para a glória – isto é, não tanto para o amor de nossos próximos, quanto pelo amor de nós mesmos” (Hobbes, Do cidadão, I. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 1992.).

Ao afirmar categoricamente que, de forma natural, o homem tem aversão à sociabilidade, mas dela faz uso para manter os seus interesses, Hobbes bate frontalmente com algumas ideias, mormente a teoria do amor natural postulada por Cícero e largamente difundida, de acordo com o qual há uma inclinação natural que nos impele a amar o próximo. O amor ao próximo seria a origem das virtudes humanas. Deve-se atentar que, ao combater a teoria do amor natural, Hobbes quer evidenciar dois grandes pontos: a) os homens tendem mais à desconfiança e à guerra que à confiança e ao convívio pacífico; b) as ações e relações humanas objetivam o benefício próprio, destarte buscamos nos aproximar daqueles cuja presença nos traz mais vantagens. Portanto, o que para Cícero se apresenta como desumano, para Hobbes se manifesta, para além do bem e do mal, como a expressão da natureza humana.

É perceptível que Hobbes ainda tem muito a dizer acerca do mundo político atual. A política é construída mediante alianças que não são feitas somente entre as agremiações políticas, mas também entre candidatos e eleitores. O que levaria alguém a aderir a um partido ou candidato? Por que partidos políticos que em eleições anteriores eram aliados, hoje são adversários? Qual seria o cimento político que une os indivíduos? Hobbes afirmaria peremptoriamente: o princípio do benefício próprio.

O princípio do benefício próprio é o fio condutor das atividades políticas. As coligações partidárias são projetadas e executadas movidas por interesses pessoais, e não pelos mais nobres anseios altruístas e muito menos por afinidades ideológicas. Enquanto um partido traz vantagens para o outro a associação é mantida; do contrário, aquele que era visto como integrante da “turma do bem” passa a ser encarado como uma peça da “turma do mal”. E quem sabe, nas próximas eleições, o “mal” se reveste de bondade, e o bem se prostitui com o príncipe das trevas. E assim caminha a política.

Como havia destacado acima, o pacto político também é feito entre o candidato e o eleitor. O candidato quer o voto, o eleitor quer algo em troca. Não há caridade nesse universo, há troca de favores; há associações de interesses pessoais. Dito de outra forma, o que motiva a preferência do eleitor a determinado candidato é o mesmo que motiva as coligações partidárias. O curioso é que há eleitores que repudiam veementemente as coligações partidárias e não conseguem ou fingem que não conseguem perceber que, em um desdobramento lógico, a sua postura se identifica substancialmente com aquelas que tanto repudiam.

Há quem diga que, em política, para alcançar o céu é necessário se associar ao diabo; por conseguinte, há algo de divino nas forças antagônicas. O senso comum admite constantemente que o poder revela as pessoas. Hobbes afirma que a política, assim como toda associação humana é movida por interesses próprios, buscamos alianças com aqueles que nos granjeiam mais vantagens. Portanto, a política não revela somente o indivíduo, como também o gênero humano. Pobres candidatos e eleitores: humanos, demasiadamente humanos!

4 comentários:

  1. Arrison Berkenbrock
    Creio que depois desta aula de filosofia POLÍTICA, aja muito a dizer.
    O texto é contundente,realmente somos pobres humanos, querendo ou não sendo usado como marionetes pelo PODER.
    Infelizmente temos que escolher entre o bem e mau. A dura realidade é que ambos se misturam.
    Política denomina arte ou ciência da organização,o que ainda a maioria de nós não aprendeu.
    Vou citar o que grande filósofo Aristóles,falava.
    Na filosofia aristotélica a política é a ciência que tem por objeto a felicidade humana e divide-se em ética, que se preocupa com a felicidade individual do homem. Na política propriamente dita, preocupa-se com a felicidade coletiva. O objetivo de Aristóteles com sua Política é justamente investigar as formas de governo e as instituições capazes de assegurar uma vida feliz ao cidadão. Por isso mesmo, a política situa-se no âmbito das ciências práticas, ou seja, as ciências que buscam o conhecimento como meio para ação.
    O SERIA O CORRETO.
    Segundo o filósofo:
    "Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a algum bem, é evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as outras tem mais que todas este objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a comunidade política"
    E O QUE VEMOS NA REALIDADE É A FALTA DE ÉTICA.

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  2. Marlene;
    Primeiramente gostaria de registrar a minha alegria em poder compartilhar com você algumas ideias, suas apreciações são sempre válidas e merecedoras de comentários.
    Os estudiosos da filosofia costumam analisar a política em duas perspectivas: 1 a concepção idealista - vigorou principalmente durante a antiguidade, a política era concebida como a busca pelo bem comum e o conceito de liberdade estava atrelado à vida na pólis. Aristóteles, seguramente, foi o maior expoente desse período.2 a concepção realista - Predominante na modernidade, a concepção política realista vai associar a política ao poder, e não mais ao bem comum. Deste modo, há a desvinculação da ética, a política passa a ser vista como uma esfera autônoma que é regida por uma dinâmica própria e incompatível com o mundo do DEVER-SER. O pensador florentino Nicolau Maquiavel é o principal nome dessa perspectiva.
    É curioso perceber que a política e a ética um dia, pelo menos no campo formal, estavam unidas. A modernidade decretou o divórcio dessas esferas, tanto no âmbito teórico, quanto no prático. Não obstante o conflito entre o real e o ideal continua latente na consciência daquelas poucas pessoas que ainda encaram a política como a ciência do bem comum, mas como concretizar este sem o poder? E o que é necessário para atingir o poder? Boas obras? Infelizmente voluntarismo é uma condição necessária, mas não suficiente. É justamente a partir dessa constatação que percebemos que a máxima "os fins justificam os meios" parece ganhar ressonância fortíssimas no mundo político.
    Max Weber, um dos grandes(na minha concepção, o maior)clássicos da sociologia, de forma magistral, coloca o dilema aduzido acima mediante a díade ética da convicção e ética da responsabilidade. A ética da convicção se refere as ações morais individuais , ou seja, trata de um conjunto de comportamentos e valores que orientam o comportamento do político em sua esfera privada.Já a ética da responsabilidade representa o conjunto de normas e valores que norteiam a decisão do político a partir de sua posição como governante ou legislador.
    Weber acreditava que quanto maior a inserção do indivíduo na arena política, maior é o afastamento de suas convicções pessoais e a adoção de comportamentos orientados pelas circunstâncias. Ex: Reforma Tributária. Nas eleições de 2010 todos os candidatos à presidência defenderam essa bandeira que, diga-se de passagem, não é nova. Muitos políticos têm uma convicção pessoal acerca da necessidade de diminuir os impostos, entretanto, uma vez inserido na arena política percebe que os impostos são ferramentas imprescindíveis não somente para a manutenção de serviços essenciais à população (saúde, educação, infraestrutura, segurança etc...), como também para alimentar cargos de afilhados políticos que são figuras centrais nas campanhas eleitorais. Os meandros políticos são, de fato, conflitantes!! Entretanto, a circunstância não pode ser a voz única desse processo.

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    1. E sempre muito prazeroso ler e dialogar com você. Creio que não só eu, mas todos os que se interessam pela politica da filosofia.
      Reforma Tributária, já virou lema de todas as campanhas, todos os presidentes defende esta bandeira como você falou, mas no momento que cumprirem esta promessa, como irão enganar o povo?
      Quanto aos impostos altíssimos a fatia maior vai ser usada para cargos políticos,
      Saúde, infraestrutura, segurança, educação, esta é fatia que podemos dizer é quase transparente de tão fina.
      Vou citar: Alexandre Henrique Salema Ferreira em dos seus artigos, onde ele fala, da nova economia altera a dinâmica da relação de trabalho, reduzindo os postos de trabalho e flexibilizando a relação trabalhista. Tem também o condão de promover o afastamento da incidência tributária da atividade econômica privada, imputando à sociedade maior parcela da carga tributária, além de desviar o fluxo de recursos públicos destinados à sociedade. Essas situações repercutem diretamente na redução ou supressão da renda individual e na diminuição de bens e serviços públicos colocados à disposição da sociedade, redundando em maior vulnerabilidade social. Dentro deste contexto, a exclusão social passa a ser fomentada tanto pela redução ou supressão da renda individual como pela ínfima presença social do Estado. A partir deste contexto, é possível, então, estabelecer relações entre a nova economia e a atual política tributária, com implicações sociais relevantes, especialmente no aumento da exclusão social.
      Maquiavel em seu livro o “PRINCIPE”, nos relata.
      Estamos diante de uma moral imanente, mundana, que vive do relacionamento entre os homens. E se há a possibilidade de os homens serem corruptos, constitui dever manter-se no poder a qualquer custo.
      A novidade do pensamento de Maquiavel, justamente a que causou maior escândalo e críticas, está na reavaliação das relações entre ética e política. Por um lado, Maquiavel apresenta uma moral laica, secular, de base naturalista, diferente da moral cristã; por outro, estabelece a autonomia da política, negando a anterioridade das questões morais na avaliação da ação política.
      Maquiavel distingue entre o bom governante, que é forçado pela necessidade a usar da violência visando o bem coletivo, e o tirano, que age por capricho ou interesse próprio.
      O pensamento de Maquiavel nos leva à reflexão sobre a situação dramática e ambivalente do homem de ação: se o indivíduo aplicar de forma inflexível o código moral que rege sua vida pessoal à vida política, sem dúvida colherá fracassos sucessivos, tomando-se um político incompetente.
      Sendo assim eu acredito que a REFOMA TRIBUTÁRIA VAI DEMORAR MUITO.
      Como vemos o problema é bem antigo E difícil de resolver.
      Malene

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  3. Olha só, um cidadão na madruga encontra este artigo e resolve fazer considerações.
    Em primeiro lugar me parece que quem escreveu, tem algum vício de leitura, o que pode ser bom. Me ocupo da pena digital e e lanço mão ousadamente de um direito não explicito de comentar.
    Interessante, mas acredito, e posso estar errado, que no exercício, da cidadania que vós submeteis a sí próprio, de explicar aos incautos do exercíco intelectual, o mais que há na vida e que se esconde nas escuras estratégias políticas locais, devesse pois por responsabilidade do pensador propor sempre a dialética, a propositura do embate. Tal que me atrevo, me perdoe se julgar excedido, demonstrar nem que em outro artigo, outros mundos, propostos por outros, visto que aos menos preparados, pode induzir o pensamento que o que há é só isso.
    Há mais que demonstrar como mundo interpretado.
    Mas isso é Humano, Demasiado Humano, sentenciou Frederich.
    Obrigado.

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