Uma análise jurídica sobre as prisões de membros do MST

Como eu havia falado em recente post publicado aqui, também publicaria algumas matérias divulgadas pela mídia e blogs acerca das prisões de membros do MST ocorridas em Imbituba. Por falta de tempo, deixarei apenas alguns links, para quem quiser acessá-las.

O que li na internet sobre o fato (as prisões) não esclarecia ou analisava o ponto crucial da ação. Alguns, tentaram levar aos leitores uma versão política ou ideológica contra o MST. Outros, tentaram proteger a ZPE sem falar nos seus problemas burocráticos que a impedem de funcionar e, por outro lado, a gastança de dinheiro público sem retorno para a sociedade. Em outras abordagens, discursos corporativos tentavam defender ou criticar a ação estatal que culminou nas prisões.
Abaixo, trago uma reflexão jurídica produzida por um delegado de Polícia Civil, cujos argumentos não foram apresentados pela grande mídia, que tentou transformar uma ação estatal em uma simples "guerrinha" de brios entre as polícias Militar e Civil.
É uma pena que a grande imprensa, em qualquer problema entre essas duas polícias, sempre apresenta à população textos extremamente medíocres, simplificando esses problemas a meras disputas de poder entre essas duas instituições de segurança, esquecendo ou não tendo competência para analisar os embates à luz do Direito; ou não deseja se posicionar como uma verdadeira imprensa que defende a liberdade e a democracia.
E a população, diante das explanações pobres da mídia, aceita as críticas de jornalistas despreparados que vêem apenas o que querem enxergar.
FASE PRÉ-DELITUAL - O que é isso senhores?

Causou-me perplexidade os fatos ocorridos na cidade de Imbituba – SC. Tal sentimento não decorreu do fato de que policiais militares teriam executado atividades de competência da Polícia Civil, pois entendo que esta é uma questão legal e que já deveria ter sido tratada institucionalmente no foro competente.

Minha indignação maior, razão desta manifestação, foi que toda a ação, totalmente ilegal e abusiva, salvo melhor juízo, desenvolveu-se sob o manto de quem deveria zelar pela legalidade, o Ministério Público e o Poder Judiciário daquela Comarca. Não bastasse isto, a Associação dos Oficiais da PM e do Corpo de Bombeiros lançam nota de apoio às ações de seus pares, criando como justificativa um “delírio subjetivo” ou coisa que o valha denominado “fase pré-delitual”.

Por inúmeras vezes deparei-me com situação idêntica àquela que fundamentou a ação dos policiais militares, ou seja, a probabilidade da ocorrência de algum crime. Saliento que as informações diziam respeito a planos para o cometimento de crimes graves (roubo, sequestro de gerente de banco, homicídio) e não uma simples “invasão de terras”.

A gravidade dos delitos e a possibilidade de que estes se concretizassem, por si só, não foram suficientes para sensibilizar o Ministério Público e o Poder Judiciário para autorizarem a quebra de sigilo telefônico, obviamente atentos aos princípios da legalidade e também ao cumprimento das formalidades que tal diligência impõe. Não poderia ser diferente em qualquer pondo do país, muito menos na Comarca de Imbituba.

Para me fazer entender melhor, esclareço que grande parte das investigações realizadas nesta divisão tem como ferramenta principal a interceptação telefônica. Para que estas sejam deferidas pelo Poder Judiciário, passam inicialmente pela análise e manifestação do Ministério Público. Além da obrigatoriedade de estarem enquadrados nos crimes graves (tráfico de entorpecentes, homicídio e outros previstos na lei específica), somos obrigados a cumprir rigorosamente todas as formalidades estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça em sua resolução nº 59/2008 (Envelopamento, remessa confidencial, indicação da Autoridade responsável pelas diligências, relatório circunstanciado dos resultados, etc.).

A lei 9.296/96, que regulamenta o direito ao sigilo telefônico previsto constitucionalmente no art. 5º, inciso XII da Carta Magna, estabelece em seu art. 2º:

"Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - A prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III- o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único: em qualquer hipótese deverá ser descrita com clareza a situação, objetivo da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada".

Além dessa exigência, as REPRESENTAÇÕES que encaminhamos solicitando quebra de sigilo ou interceptações, obrigatoriamente devem ser acompanhadas de farto material probante, ou seja, depoimentos, reconhecimentos, denúncias fundamentadas, Boletins de Ocorrência, Cópias de Portarias de Inquéritos Policiais, Cópias de Autos de Prisão em Flagrante, enfim, os pedidos devem ser amplamente fundamentados, caso contrário, estes serão indeferidos.

Por outro lado, uma análise rápida e superficial da legislação penal brasileira deixa aflorar a barbaridade cometida, pois o Código Penal Brasileiro adota o princípio da objetividade, ou seja, “o crime ocorre quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal” (art. 14 do CPB). Nosso Código adota o "critério objetivo".

A própria tentativa também deve revestir-se de elementos que a caracterizem, a saber: - Início de execução da figura penal - falta de consumação por circunstâncias alheias a sua vontade e, por fim, a existência do dolo (art. 14, II do CPB).

Intenção, vontade, cogitação, planejamento e nem os atos preparatórios são puníveis, conforme art. 14 do CPB, o qual encontra-se escudado no princípio constitucional da garantia da reserva legal (art. 5º, XXXIV, da Carta Magna, e o próprio artigo 1º do Código Penal que diz não haver crime sem lei anterior que o defina).

Ainda:

Diz a doutrina: "Caso reste dúvida intransponível sobre o caráter preparatório ou executório do ato, deve-se decidir pelo primeiro.

Na própria tentativa, quando o crime não se consuma por desistência voluntária e arrependimento eficaz, temos a exclusão da punibilidade (art. 15 do CPB).

Diante destas breves considerações, quero crer que a ação desenvolvida pela Polícia Militar na cidade de Imbituba – SC constituiu-se numa aberração, inquestionável ilegalidade, avalizada, segundo a matéria veiculada na rede, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.

Portanto, resta a quem de direito buscar respostas para os seguintes questionamentos:

1 - O "crime" ou "os crimes" que supostamente seriam praticados fazem parte dos que justificam e autorizam a interceptação telefônica?

2 - Os procedimentos adotados para requerer as interceptações foram devidamente instruídos e foram cumpridas as formalidades legais exigidas pela lei nº 9.296/96 e pela resolução nº 59/2008 do CNJ?

3 - Havia Procedimento Investigativo (Inquérito Policial) instaurado pela Polícia Civil ou Polícia Federal para a apuração dos fatos, visto que este seria o instrumento legal e único para apuração dos "crimes", que supostamente iriam acontecer? Ou tudo foi feito "manu militari"?

4 – Desconsiderando-se os aspectos legais, a ação do Ministério Público e do Poder Judiciário se coaduna com as normas de suas respectivas instituições e com as resoluções do Conselho Nacional de Justiça?

Com a devida vênia, FASE PRÉ DELITUAL? QUE É ISSO SENHORES?

ELIOMAR JOSÉ BEBER
Delegado de Polícia
Central de Investigações Policiais de Balneário Camboriú-SC
Na análise feita pelo delegado, eu acrescentaria os artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal:

Art. 312 - A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Art. 313 - Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos:

I - punidos com reclusão;

II - punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la;

III - se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no Art. 64, I do Código Penal - reforma penal 1984.

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

Leitores, abaixo, links para leitura:





(na foto, manifestação do MST no dia 05, em Imbituba)

Um comentário:

  1. Ao leitor "anônimo" que enviou comentário sobre a opinião do delegado, informo que não publiquei porque não foi atendida uma das regras para publicação de comentário. Caso tenha interesse em ver publicado seu comentário, eu posso enviar todo o teor por email, para que você possa reenviá-lo.

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