Liberalismo econômido: juiz catarinense cita Friedman e decide em favor de motorista do Uber

decisão judicial em favor do uber
É difícil acreditar que o Liberalismo econômico começa a emplacar no Judiciário. É uma satisfação ver isso acontecendo no Brasil. Decisão como esta do juiz catarinense Hélio do Valle Pereira não pode deixar de ser publicada, divulgada aos liberais, como incentivo, e aos que ainda insistem em defender um modelo de Estado que atrapalha o desenvolvimento do Brasil, para que aprendam.

Quero iniciar com uma reflexão trazida na decisão judicial:

"Ser livre dá trabalho. Há escolhas por fazer. Exercita-se o juízo crítico. Pode-se errar e daí vêm as frustrações. Pior ainda é saber que outra pessoa poderá fazer livremente o que desejar (para ser pleonástico). O Brasil está precisando conviver com a liberdade.

E para quem não irá até o final deste post, porque gosta de ler, mas gosta de sair por aí opinando sobre o que não sabe ou tem pouco conhecimento, justamente por não gostar de ler, adianto um questionamento feito pelo magistrado:

"A pergunta é retórica, mas como a resposta é fácil, faço-a: por que eu não posso usar, para fins privados, de um motorista e um carro igualmente privados, firmando com ele um contrato que ambos tenham por justo?
Mais ainda, por que não posso ter um serviço melhor e mais barato? Por que não posso escolher entre o serviço de táxi e o Uber? Por que se deve tutelar o usuário como se o Município estivesse gabaritado a interferir nessas escolhas cotidianas?
Por que, inclusive, não posso optar entre o Uber ou as utilidades de aplicativo concorrente?"

Vou publicar a seguir partes da decisão citada, mas vale a pena ler a decisão completa. Vamos lá!

"O sistema constitucional brasileiro, peço perdão se causo surpresa pela crueza das palavras, se fundamenta no capitalismo (arts. 3º, inc. I, 5º, inc. II e 170 da CF). Mas não adianta “conhecer a letra, mas não aprender a melodia”, disse Milton Friedman no sugestivamente intitulado Livre para escolher.

As pessoas têm direito de escolher, e o Estado não é o provedor universal, muito menos tem como papel criar reservas de mercados, garantindo lucro para alguns, ainda mais quando isso valer por prejudicar a maioria.

O Estado, aliás, não tem o direito de prejudicar as pessoas. Se eu posso e quero me servir do Uber tenho o direito de fazê-lo. Posso optar entre táxi e Uber, entre táxi e outro aplicativo, entre Uber e sistema assemelhado. Tenho o direito de não ir, de ir sozinho, mas tenho o direito de ir com o meio de transporte que, sem atingir valores sociais realmente dignos, eu considere pertinente.

decisão judicial uber florianópolis
Juiz Hélio do Valle Pereira
4. Repito aqui uma peroração.

Repito-a porque ninguém lê mesmo o que escrevo (no que fazem muitíssimo bem), mas especialmente porque o fundamento tem que ser lembrado sempre diante dessas coisas que envolvem o sistema de trânsito (valendo para o Município, mas também para o Detran e seus regulamentos que se esmeram na reserva de mercados).

Vive-se no direito brasileiro sob o bacharelismo.

Ele se serve primeiramente de um “discurso pronto, que combina uma terminologia arcaica com frenética verbosidade, como se saísse da pena de um escritor medieval sob efeito de crack” – registrou o psicólogo de Harvard Steven Pinker a propósito do legalês (Guia de escrita, Contexto, 2016, p. 86).

A esse discurso oco se une o messianismo. Os bacharéis se postam como sacerdotes, intermediários entre uma vontade sobrehumana e os homens comuns. Passou-se lamentavelmente a cuidar do direito como se fosse uma religião. Uma religião secular, é a expressão de Raymond Aron, que cuida do assunto a propósito das ideologias, notadamente o comunismo (O ópio dos intelectuais, Três Estrelas, 2016, p. 275). As religiões podem crer no sobrenatural ou não, mas elas têm em comum a confiança em forças sobrehumanas que governam (Yuval Noah Harari, Sapiens, LPM, 2013, p. 237).

A partir daí, perde-se o senso crítico que impõe interpretar as normas e também seus princípios os entrosando com um ideal de justiça. Há um inebriamento com as teses como se elas valessem em si. Chega-se por essas veredas a soluções que se chocam abertamente com a racionalidade, mas que acabam sendo justificadas porque são compreendidas para o mundo teórico.
Nesse campo abstrato não existe sensibilidade à injustiça, mas à necessidade de fazer prevalecer uma teoria – o que será tão mais apropriado quanto conflitar com o senso comum, esta vulgaridade ignara.

Essas divagações etéreas são convenientes para perpetuar o serviço de táxi em regime monopolizado. Deixa-se de lado o óbvio, que é refletir sobre o melhor para a população para se teorizar sobre serviço
público, regulação, fiscalização; na realidade, distorce-se o ponto essencial para desviar a solução evidente.

"5. O táxi é definido em Florianópolis como um serviço público.

O discurso bacharelesco tem uma justificativa de plano: a segurança, a eficiência, a qualidade do transporte, tudo depende da intervenção do Município, garantindo serviços adequados aos cidadãos.

Não é verdade.

Trago um paralelo no campo estadual, que igualmente se esmera em avocar para o Poder Público algo que é naturalmente da alçada particular. As autoescolas (aquilo que hoje é pretensiosamente chamado de centros de formações de condutores) são definidos em Santa Catarina como um serviço público. É claro, serviço público que nunca foi submetido a uma licitação para escolha de delegatários, preservando-se reserva de mercado àqueles que já detinham o credenciamento. O resultado é que se eu quiser criar uma faculdade de medicina, posso; uma autoescola, não. (Restrições equivalentes existem para despachantes, médicos e psicólogos peritos, fabricantes de placas, entre outros.)

Muitas coisas óbvias têm que ser ditas.

Definir o serviço de táxi como público traz algumas poucas centenas de beneficiários – e, no caso de Florianópolis, centenas de milhares de prejudicados. São favorecidos os taxistas. (Melhor, são beneficiados mais diretamente os empresários do ramo de transporte que colocam terceiros para
pilotar para si. Em Florianópolis, vejo nos processos, há titulares de licença que não têm sequer carteira de habilitação!). Mas também são beneficiados os circunstanciais políticos que estão no poder, que têm um grupo econômico que se torna seu dependente. Como de praxe, no entorno viceja a burocracia.

As promessas que vêm associadas ao serviço público são, é o costume mesmo, vãs. Quanto ao tópico, aliás, não vou me alongar. Na realidade, se alguém se sente satisfeito com o serviço de táxi, tanto melhor: poderá usá-lo livremente. Pode-se achar que há veículos às mancheias, que a educação é
destacada, que os preços são baixos. É uma grande vantagem do capitalismo e da liberdade (a propósito, Capitalismo e liberdade é outro ótimo livro de Milton Friedman). Ser livre implica não deixar para o outro definir o que é bom e o que é ruim. Posso achar o táxi maravilhoso e o Uber, um horror. Mas eu vou escolher o que considero mais vantajoso; não será uma imposição de um grupo econômico que ditará minha escolha.

6. Deve-se sempre manter a “inviolabilidade daquilo que foi assim desde sempre”, é uma citação de Max Weber que é bem conhecida – e que li por estes dias (Marcos Costa, A História do Brasil, Valentina, 2016, p. 10).

Ali é trazida esta passagem de Raimundo Faoro, que consta igualmente de advertência no excelente O Estado de Narciso (Companhia das Letras, 2015) de Eugênio Bucci:

A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados seus, na origem, como negócios públicos depois, em linhas que se demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade se assenta no tradicionalismo – assim é porque sempre foi. (Os Donos do Poder; http://www.usp.br/cje/anexos/pierre/FAORORaymundoOsDonosdoPoder.pdf)

Não existe sentido algum, estimo, preservar o monopólio do serviço de táxi para o transporte individual remunerado. Isso só atende ao patrimonialismo, à crença de que apaniguados tenham a prerrogativa de obter as mercês oficiais, tocando ao Estado lhes garantir lucros em caráter
permanente.

É, enfim, o patrimonialismo.

Pouco importa que mais recentemente os serviços de táxi tenham sido objeto de licitação. O êxito nessa disputa não pode servir de empecilho para os avanços tecnológicos – a menos para a população do Município de “X”, que não se importa com a qualidade dos serviços, confiando ardentemente
nas escolhas políticas que lhes causam prejuízo.

Salvo pelo patrimonialismo (digo pela quarta vez), não há razão para apostar em um Estado paternalista, que se comprometa a dar estabilidade financeira para empresários. Enquanto aquele que abre um bar está sujeito a tudo, o taxista não pode sofrer ameaça alguma. Há até lei federal que
prevê sucessão quanto às licenças. As pessoas em geral ficam submetidas a toda sorte de infortúnios, mas aqueles que se servem do Estado (não que o servem) se consideram dignitários que merecem todos os resguardados. Um mundo sem ameaças, só ganhos.

Ameaças, na realidade, ficam para os motoristas de Uber e seus passageiros. São horrorosos os episódios que aconteceram no Rio de Janeiro, causando-se padecimento físico àquelas profissionais, tanto quanto ganhou destaque nas folhas locais e humilhação à qual exposto um motorista e sua cliente, que houve de deixar o veículo antes de chegar ao Aeroporto Hercílio Luz. Estava nítido ali: “inviolabilidade daquilo que foi assim desde sempre”; ou “a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade se assenta no tradicionalismo – assim é porque sempre foi” - podendo-se escolher entre Max Weber ou Raimundo Faoro, já que se deve ser livre.

(...)

"8. A Constituição enumera alguns serviços que devem ser públicos obrigatoriamente – e, inclusive, de maneira eventualmente exclusiva – estatal.

O caso dos correios é bem ilustrativo, havendo mesmo que chegue a entendê-lo como serviço monopolizado (art. 21, inc. X). O transporte coletivo municipal é também algo privativo do Poder Público (art. 30, inc. V) – e isso é bem compreensível. É serviço que envolve imensos custos e
reclamos de segurança peculiares. A Administração do serviço deve ser compatibilizada com algumas cláusulas exorbitantes, tais como a fixação compulsória de serviço mesmo em momentos deficitários e limitações tarifárias rígidas. (Isso, é claro, enquanto não houver uma solução distinta factível.) Há casos ainda que o serviço pode ser prestado pelo Estado, mas obrigatoriamente deve ser
também franqueado aos particulares (e então sem os qualificativos de um serviço estatal), cujo exemplo evidente é a saúde.

O aspecto mais sensível é que a Constituição não enumera todas as hipóteses em que um serviço possa ser definido como público. O legislador ordinário terá uma boa dose de discricionariedade para definir certas atividades como serviço público, mas evidentemente deve haver limites.

Celso Antônio Bandeira de Mello, acredito, dá a exata medida dos limites desse poder discricionário:

É realmente o Estado, por meio do Poder Legislativo, que erige ou não em serviço público tal ou qual atividade, desde que respeite os limites constitucionais. Agora os serviços públicos mencionados na Carta Constitucional, outros podem ser assim qualificados contanto que não sejam ultrapassadas as fronteiras constituídas pelas normas relativas à ordem econômica, as quais são garantidoras da livre iniciativa. É que a exploração da atividade econômica o desempenho de "serviços" pertinentes a esta esfera, assiste aos particulares e não ao Estado. Este apenas em caráter excepcional poderá desempenhar-se empresarialmente nesta órbita.
Sem embargo, o fato é que o Texto Constitucional, compreensivelmente, não define o que sejam "atividades econômicas". Em consequência, remanesce ao legislador ordinário um certo campo para qualificar determinadas atividades como "serviços públicos", no que, indiretamente, gizará, por exclusão, a área configurada como das "atividades econômicas".
É lógico, entretanto, que, em despeito desta margem de liberdade, não há, para o legislador, liberdade absoluta. À falta de uma definição constitucional, há de se entender que o constituinte se remeteu ao sentido comum da expressão, isto é, ao prevalente ao lume dos padrões de cultura de uma época, das convicções predominantes na Sociedade. Por isso mesmo não é total a liberdade do Legislativo, sob pena de ser retirado qualquer conteúdo de vontade ao dispositivo da Carta Magna, tornando-o letra morta, destituído de qualquer valia e significado. (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 2010, pp. 691-692; destaque meu)

A partir daí, é abusivo definir o serviço privado de transporte individual como um serviço público. Se o Município desejar credenciar (mero credenciamento!) motoristas que, cumpridas certas exigências razoáveis, desejem atuar nesse ramo, até é sustentável que possa fazê-lo. Que haja a frota
municipal de táxis submetida a certa regulamentação! Mas é absolutamente (faço a ênfase propositadamente) fora do razoável que isso obste que pessoas jurídicas e naturais tenham a mesma iniciativa, ainda mais quando isso é uma exigência “dos padrões de cultura de uma época, das convicções predominantes na Sociedade” – repito as expressões de Celso Antônio, mas faço um aditamento: os padrões evoluem e devem ser analisados contemporaneamente.

Há ainda o art. 173 da CF, que apenas permite que o Estado intervenha na atividade econômica em duas hipóteses: (a) “quando necessário aos imperativos da segurança nacional” ou quando houver (b)
“relevante interesse coletivo”. Mesmo que a Administração delegue o serviço de transporte individual para particulares, a essência – é o que se tenta fazer em Florianópolis – é estatal. O serviço público para ser insistente. Está-se tirando da livre iniciativa esse mercado.

Certamente o serviço de táxi não está envolvido em “imperativo de segurança nacional”. Quanto ao “relevante interesse coletivo”, a tentativa de criar um cartel em torno da atividade se presta a prejudicar o interesse coletivo.

9. O art. 5º, inc. XIII, da CF fixa que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações estabelecidas em lei”.

A regra, portanto, é a desembaraçada atividade laboral (STF, RE 414.426, rel.ª Min.ª Ellen Gracie). Mais ainda, as limitações, quando pertinentes, devem vir por lei em seu sentido típico: não somente uma norma, até mesmo regulamentar, mas regramento editado pelo Poder Legislativo em sua missão exclusiva.

Só que não basta a lei.

A lei só se justifica quando a regra (o livre exercício profissional) tiver a efetiva razão para ser excepcionada, ou seja, que haja justificativa racionais que amparem a restrição.

Há de existir – é realmente uma compreensão de todos – uma pertinência entre as limitações impostas pela lei e um ideal de proteção da sociedade. Exigir a aprovação em exame de ordem para o exercício da advocacia é legítimo (STF, RE 603.583, rel. Min. Gilmar Mendes), mas não tem sentido que se faça o mesmo reclamo quanto ao exercício da profissão de músico (STF, RE 414.426, rel.ª Min.ª Ellen Gracie) – são exemplos que apanho, tanto quanto o outro citado neste item, de José Miguel Garcia Medina, Constituição Federal Anotada, RT, 2013, p. 94-95).

10. Essa polêmica já constou em outros locais. Há discussão jurisprudencial sobre o tema. Ainda que não exista, ao que saiba, pronunciamento a esse respeito por parte dos tribunais superiores, há uma
tendência de considerar o serviço de transporte individual prestado por intermédio de aplicativos como nítida atividade econômica em sentido estrito.

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou ação direta de inconstitucionalidade apresentada contra lei municipal (do Município de São Paulo) que proibia o uso de carros particulares cadastrados em aplicativos para transporte remunerado individual de pessoas (ADI 2216901-06.2015.8.26.0000).

No voto do desembargador Francisco Casconi, faz-se precisa distinção entre o serviço de táxi, tido por de natureza pública, e aquele proveniente de motoristas particulares vinculados a aplicativos (aliás, uma ótima solução, na linha do antes defendido, que não pretende impedir o serviço de táxi;
muito pelo contrário):

Nesse passo, é possível afirmar uma primeira conclusão: inexiste previsão constitucional, seja na Lei Maior, seja na Carta Paulista, que qualifique o transporte individual remunerado de passageiros como serviço público ou monopólio estatal, diversamente do que ocorre com a modalidade de transporte coletivo no âmbito municipal, expressamente definida como serviço público (artigo 30, inciso V, CR).
(...)
Nesse ponto, uma segunda conclusão se mostra possível em vista do §2º ora transcrito [§2º. Os serviços de transporte urbano são classificados: I - quanto ao objeto: a) de passageiros; b) de cargas; II - quanto à característica do serviço: a) coletivo; b) individual; III - quanto à natureza do serviço: a) público; b) privado.]: está-se a debater, in casu, sobre modalidade de transporte de passageiros (quanto ao objeto) e individual (quanto à característica do serviço).
O próximo passo é definir a natureza do serviço objeto de proibição na lei impugnada, é dizer, se de caráter público ou privado. Vale anotar que, indiscutivelmente, o diploma em comento conforta ambas as hipóteses (inciso III, do §2º, do art. 3º, da LPNMU).
(...)
Voltando à dicotomia prevista no inciso III, do §2º, do artigo 3º da LPNMU, o transporte individual de passageiros pode ser classificado em público e privado.
Os táxis, como explanado, enquadram-se na primeira hipótese e se amoldam ao conceito de “transporte público individual” (art. 4º, inciso VIII, da LPNMU), numa visão conjunta aos artigos 2º da Lei Federal nº 12.468/2011 e artigo 1º da Lei nº 7.329/1969 do Município de São Paulo, as quais, de maneira expressa, aludem à atividade as expressões “transporte público individual” e “serviço de interesse público”.
Conclusão similar, entretanto, parece não emergir do exame da atividade de “transporte individual remunerado de passageiros por motoristas particulares, intermediado por aplicativos”, objeto de proibição no ato normativo impugnado.
O primeiro ponto, talvez o mais marcante, que realça a diferença entre o transporte público individual (táxi) do transporte privado individual prestado por motoristas particulares diz respeito à sua abrangência.
Como decorre do próprio conceito previsto na LPNMU (art. 4º, inciso VIII), o transporte público individual remunerado de passageiros é um serviço aberto ao público, o que não ocorre com o transporte privado individual. Inerente a esta característica essencial a obrigatoriedade do serviço prestado pelo taxista, que não pode recusar viagens ainda que de curto trajeto; além disso, possibilita-se a coleta de novos passageiros nas próprias vias públicas, durante seu trânsito regular, facilidade que alcança não só os taxistas como também os próprios passageiros. Potencialmente, qualquer indivíduo em espaço público é um possível usuário do serviço.
Já a atividade econômica proibida pela lei impugnada, diferentemente, está restrita aos usuários previamente cadastrados no aplicativo e que se utilizam da plataforma virtual para contratar o transporte individual remunerado para deslocamento específico. A exigência de cadastro prévio e condições mínimas (incluindo smartphone com plano de dados ativo) torna a gama de consumidores usuários identificável e finita, embora possa se ampliar ou se encolher, à medida que o serviço eventualmente se expanda ou se retraia. Além do mais, as viagens dos motoristas particulares prestadores da atividade são avençadas no ambiente da plataforma virtual do aplicativo, marcadas ainda pela aceitabilidade do prestador do serviço, deduzindo-se que não coletam novos passageiros aleatoriamente pelas ruas.
Não à toa que a expressão “aberto ao público”, propositalmente, não foi incorporada no conceito de “transporte motorizado privado” (art. 4º, inciso X, da LPNMU), que tal como a definição do inciso I do mesmo dispositivo, melhor se ajusta ao transporte individual remunerado de passageiros por motoristas particulares cadastrados em aplicativos.
(...)
Outras características, senão benefícios, podem ser destacadas como exclusivas do transporte público individual de passageiros (táxis), não extensíveis à atividade privada em comento, que mostram plena coerência e somente são justificadas pela natureza pública do serviço. Dentre elas, por exemplo, a permissão (no caso da Cidade de São Paulo) para transitar em faixas exclusivas, o abatimento e/ou isenção de impostos relacionados à manutenção e aquisição dos veículos utilizados, a existência de áreas de parada exclusivas e específicas em locais públicos e de grande circulação (“pontos de táxi”) etc.
Não bastasse, como já enaltecido, a forte intervenção estatal na disciplina e regulação do transporte público individual, inclusive na fixação e controle da política tarifária, também é marco característico do serviço táxi, inaplicável, in ictu oculi, no regime atual, ao transporte privado individual de passageiros.
(...)
Assim sendo, consideradas as características singulares do transporte público individual (táxis), uma terceira conclusão pode ser afirmada: o transporte individual remunerado de passageiros por motoristas particulares previamente cadastrados em aplicativos não se constitui, tecnicamente, em serviço público, mas se enquadra no conceito de atividade econômica em sentido estrito, é dizer, de natureza privada (art. 3º, §2º, inciso III, alínea 'b', da LPNMU), que, diga-se, pode e deve ser regulamentado pela Municipalidade como qualquer outra atividade.
Avançando o raciocínio, mas rememorando o já exposto, a atividade objeto de proibição pelo ato normativo impugnado pode ser decomposta na prestação de dois serviços distintos, mas que operam de forma conjunta: a) o primeiro deles consiste na disponibilização em ambiente virtual (aplicativo desenvolvido por empresa privada) de oferta, aos usuários desta plataforma, de serviço específico (no caso, de transporte individual), a ser prestado por profissionais previamente cadastrados; b) o segundo, pressupondo a contratação pelo usuário e aceitação pelo motorista, é a realização material do transporte individual, com base nos critérios (localização, destino, trajeto, modalidade etc.) escolhidos pelo usuário/contratante.
Como dito, a controvérsia gira em torno, preponderantemente, da “segunda atividade” (o transporte), mesmo porque organização e oferta de bens e serviços em ambientes virtuais seja na própria internet, seja em aplicativos especificamente desenvolvidos não são novas e os exemplos inúmeros.
Sua natureza, como visto, assume contornos próprios das atividades reservadas à livre iniciativa, sujeita à liberdade de exploração por agentes privados atuantes no mercado, com respaldo nos princípios estruturantes e regentes da ordem econômica constitucional.

(...)

Aliás, o modo de enfrentamento do tema, assentado na dicotomia (transporte individual público versus transporte individual privado), reforça a ideia trazida de que a identificação de um serviço público não é monótona, mas verificável em um dado (e evidentemente variável) contexto social.

Nesse particular, pertinente se afigura o voto do Min. Roberto Barroso, ainda que vencido no julgamento, à época rejeitando o monopólio no serviço postal pelos Correios, por não mais se justificar a adoção desse regime nos dias atuais. Abordagem que, penso, pode ser transplantada à
espécie no sentido de privilegiar um regime concorrencial, com ganhos a todos os usuários, em detrimento de uma reserva de mercado sob tutela da Administração e com benefício a poucos agraciados:

Não vou explorar o argumento que já explorei no caso precedente, envolvendo o IPTU, o sentido de que considero que o serviço postal no mundo contemporâneo, no século XXI, na era da Internet e do correio eletrônico, seja uma atividade predominantemente econômica e não um serviço público. Porém, devo dizer que, ainda que considerasse um serviço público, continuo militante da crença de que o serviço público deve ser, como regra geral, prestado em regime concorrencial. Acho que é melhor para a sociedade e acho que é melhor para as empresas, salvo aquelas situações de monopólio natural: distribuição de gás, distribuição de energia elétrica. Fora isso, o regime de privilégio ou monopólio, seja no serviço público, seja na iniciativa privada, conduz, no mínimo, à ineficiência quando não à coisa bastante pior.

O regime de privilégio ou monopólio é ruim para a sociedade e é ruim para o trabalhador, que tem menos opção de emprego no setor e deixa de ter o seu salário valorizado pela competição do mercado. É só perguntar no mercado de telecomunicações se era melhor no tempo em que só tinha a Telerj ou se é melhor nos dias atuais. No meu entender, portanto, todas as atividades da Empresa de Correios e Telégrafos deveriam ser prestadas por ela, mas sem exclusão de outras empresas. (STF, RE 627051, Rel. Min. Dias Toffoli).

11. Vou ao caso concreto.

O autor demonstra por documentos que é uberista (a palavra não está no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), mas vou usá-la.

Depois descreve fatos notórios.

O Poder Público embaraça a atividade. Apreende veículos, impõe multas. Veda, enfim, o serviço agregado a um aplicativo tirado da internet.

Isso é ilícito.

O autor tem o direito de ir vir e ficar onde está. Pode fazer tudo isso sozinho, mas pode também ir acompanhado – dando carona ou cobrando.

A Constituição garante a liberdade quanto à atividade econômica.

A urgência da liminar requerida (para suspender as retaliações) é evidente, visto que o trabalho tem igualmente status constitucional.

12. Assim, defiro a liminar para garantir ao autor o direito de explorar o serviço de transporte individual de passageiros por intermédio da plataforma Uber.

(...)

Florianópolis, 3 de novembro de 2016.
Hélio do Valle Pereira
Juiz de Direito"

Então, leitores, precisamos de mais decisões no mesmo sentido. Precisamos de mais Mises e menos Marx. Mais Milton Friedman, mais liberdade!

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