'A polícia prende e a justiça solta!'. E a culpa é de quem?

A famosa indignação de que a "polícia prende e a justiça solta" é uma realidade brasileira, mas os motivos disso acontecer são vários e não irei nesta postagem falar sobre todos possíveis motivos; apresentarei alguns, apenas.

No final de outubro deste ano, três adolescentes foram apreendidos em Laguna-SC, em razão de praticarem roubo em um estabelecimento comercial, utilizando para o cometimento do crime uma arma de fogo de brinquedo. Junto com eles havia mais dois indivíduos, com maioridade, que foram presos em flagrante e permanecem encarcerados. Os adolescentes, porém, depois de cinco dias recolhidos na delegacia de polícia, foram soltos. 

Só os trabalhos da Polícia Civil, sem contar a atuação da Polícia Militar que efetuou as prisões e apreensões, perduraram por sete horas, desde o início da madrugada até às 7h30. Ao todo, doze pessoas foram ouvidas.
Dos cinco envolvidos no ato criminoso, três são de Imbituba e dois da Grande Florianópolis.
Todos os objetos e valores roubados foram recuperados.

Encaminhados os adolescentes à Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Laguna, para os procedimentos legais exigidos pela legislação, todos os adolescentes foram soltos. Por quê? Leia a decisão judicial abaixo, proferida na audiência realizada no dia 03/11/16:

"Os representantes estão apreendidos na Delegacia de Polícia há 05 (cinco) dias, tendo o *DEASE remetido a este juízo o ofício de página 87, onde informa sobre a inexistência de vagas nos **CASEP's do Estado para internação dos menores. É histórica a incapacidade do Estado de Santa Catarina em dotar o sistema socioeducativo de vagas suficientes para internação, quase sempre resultando na liberação de adolescentes envolvidos em crimes graves, praticados com violência e grave ameaça. O caso dos autos nada mais é que a repetição do que rotineiramente acontece em todo o Estado de Santa Catarina. E, no final das contas, o Poder Judiciário acaba assumindo perante à população a responsabilidade pela liberação de menores infratores aumentando o sentimento de descrédito e impunidade, quando toda a responsabilidade é do Poder Executivo que é incapaz de resolver o problema (talvez porque não implique em votos). Dito isto, apenas como registro, liberem-se  os adolescentes da apreensão, entregando-os aos pais ou responsável."

Leitores, em março de 2016, matéria do G1 apontava que, por falta de funcionários, 400 adolescentes infratores aguardavam vagas nos centros socioeducativos catarinenses. Mas não só a falta de funcionários é o problema. Faltam mais centros para abrigar os adolescentes infratores, e o déficit é grande. Clique aqui e veja o escasso número de vagas para atender todos municípios catarinenses.

Sistema carcerário de Santa Catarina


A deficiência não está apenas restrita aos centros de internação de adolescentes infratores, mas, também, aos presídios.
No site do Tribunal de Contas do Estado foi publicado em 10/02/14 uma "radiografia" do sistema carcerário de Santa Catarina, do qual extraí esse pequeno trecho:

"...o Tribunal constatou que a criação das 6.736 vagas previstas no Pacto pela Segurança — lançado pela SJC, em outubro de 2012, no âmbito do Pacto por Santa Catarina — não atenderá a demanda projetada até 2016. Mesmo que o programa seja colocado em prática, o sistema terá um déficit de 5.329 vagas em dezembro de 2016, se a população carcerária mantiver o crescimento de 9% ao ano, segundo dados do Sistema de Informações Penitenciárias (InfoPen), do Ministério da Justiça.
“Haverá 21.390 presos frente a uma capacidade de 16.061 vagas”, alerta a equipe técnica do Tribunal, que chamou a atenção para os 11.628 mandados de prisão que aguardavam cumprimento no Estado em fevereiro de 2013. Os auditores fiscais de controle externo consideram estes números essenciais para o planejamento da ampliação do espaço físico necessário porque representam uma demanda potencial de vagas no sistema carcerário."

Em publicação da CBN Diário, em abril deste ano, mostrava que 70% das unidades prisionais estavam interditadas pela justiça, decorrente da superlotação. O governo do estado reconhecia o problema, mas reclamava que os municípios não aceitam a construção de presídios em seus territórios.

Em meados de outubro, o Diário Catarinense divulgou que o déficit no sistema prisional em SC era de 3.500 vagas. Entretanto, não está contabilizado aí o número de mandados de prisão em aberto, que totalizavam em junho deste ano mais de 11 mil!!!, enquanto o número de presos era de cerca de 17 mil em nosso estado.
Na mesma matéria, Leandro Lima, secretário adjunto da secretaria da justiça e cidadania, informou que não é possível criar vagas para atender à demanda, "Mesmo que houvesse uma redução substancial" das prisões.

Leitor, o Estado está falido! Seria uma saída a privatização dos presídios?

Diante dos problemas estruturais, os juízes não têm outra alternativa senão colocar em liberdade criminosos e adolescentes infratores.

Antes de reclamar que "a polícia prende e a justiça solta!", melhor rever suas informações para sustentar sua crítica.

*DEASE - Departamento de Administração Socioeducativo
**CASEP - Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório - Local para onde são enviados os adolescentes de modo a afastá-los do convívio sociofamiliar antes da sentença, pelo prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias.
CASE - Centro de Atendimento Socioeducativo - Lugar para onde são enviados os adolescentes infratores, após sentença judicial por medida privativa de liberdade.

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