Esta deveria ser a 3ª entrevista do
blog, há tempo anunciada por mim através do twitter, mas em razão de desencontros e contratempos, só agora conseguimos publicá-la.
A intenção de entrevistar o ex-vereador Nelson Figueiredo decorreu de uma conversa também no twitter, quando mencionei meu interesse de publicar entrevistas no blog. Então, o nome dele foi mencionado.
Na mesma rede social, abri espaço para que os twitteiros pudessem sugerir perguntas para esta entrevista, mas apenas dois participaram.
Como eu não tinha contato com o ex-vereador, solicitei auxílio a
Ramiris Ferreira, que possui com ele laços familiares e, por coincidência, o primeiro a ser entrevistado aqui.
Enviei as perguntas por email e Ramiris realizou a entrevista. Quando recebi as respostas, foi necessário que se complementasse algumas delas. Nesta semana, eu mesmo fui conversar com Seu Nelson, um homem simples e atencioso, que me recebeu como se eu fosse um grande amigo seu.
Aos 82 anos de idade, Nelson Figueiredo fala do passado com muitos detalhes. Menciona personagens da História de Imbituba, como Henrique Lage, Álvaro Catão, Gabriela Catão, João Rimsa, Ernani Cotrin, Osmar Machado e tantos outros.
Notei que em certos momentos, ao falar de sua própria história, sua voz embargava e seu olhar buscava as imagens do passado. Disse ele: "Eu não tive infância, eu não tive juventude. Eu tinha que acordar às 6h00 e pegar o trem pra estudar em Laguna."
Relembrou com olhos tristes: "Quando nós chegamos aqui, Imbituba era uma cidade miserável, era muita pobreza." (ele veio morar em Imbituba quando tinha 11 anos de idade, em 1940)
Seu Nelson confidenciou-me alguns fatos políticos e sociais interessantes que não constam nos livros de nossa História, mas pediu-me que não fossem publicados.
Bem, antes que eu comece a escrever um livro da vida dele, que seria muito proveitoso, vamos à entrevista:
O senhor exerceu o cargo de vereador e foi presidente da Câmara de Vereadores na 4ª legislatura (1969-1972), a qual era formada pelos vereadores Paulo Tobias Querino, Jair Cardoso, Euclides Galdino Porto, Geraldo Luiz Francisco, Manoel de Oliveira Martins, Osmar Florentino Machado, Osni João de Souza e Pedro Rufino Machado.
Nessa época, em razão do ato institucional nº 02/1969, não havia remuneração para os vereadores.
A pergunta feita por um leitor do blog (Alisson Ranieri Berckenbrock) é a seguinte: o que levava um cidadão a querer ser vereador, sabendo que seu trabalho não seria remunerado?
Primeiro, por amor à cidade, e, segundo, porque era uma forma que tínhamos para ajudar nossa comunidade, que era muito precisada. Naquela época, os trabalhadores da Docas e da Cerâmica tinham uma boa condição de vida, mas os demais precisavam muito de ajuda. Nós, vereadores, tínhamos a condição de melhorar a vida das pessoas da nossa cidade, porque éramos escutados. Inclusive, conseguíamos empregos naquelas empresas para nossos conterrâneos, cidadãos de Imbituba, que tinham vontade de trabalhar. A condição de poder ajudar a nossa comunidade era o principal fator, era assim ou nada.
De quantas eleições o senhor participou como candidato a vereador?
Duas eleições. Na primeira, participei pelo PSP-Partido Social Progressista, do Ademar de Barros, que chegou a vir em nossa cidade.
Éramos em três candidatos a vereador (do mesmo partido): eu, Moreira e Maurício Moure. Naquela oportunidade, elegemos o Maurício e fiquei como primeiro suplente. Maurício foi para Laguna e participou da emancipação (de Imbituba).
Na segunda eleição, fui eleito pela Arena.
A proibição de salário que perdurou até 1975, quando a Emenda Constitucional nº 4 pôs fim à proibição, evitava que algum vereador recebesse algum tipo de "recompensa" para votar de forma favorável ou contrária nas sessões?
Posso afirmar que eu não recebia nada. Acredito que ninguém recebia nada, nada. Até mesmo a gasolina do meu fusquinha, utilizado nas lides da Câmara e outros (serviços), saíam do meu bolso. A Câmara tinha uma verba muito pequena para ser gasta somente com materiais de expediente e o salário do secretário.
A proibição de receber salários faz com que se tenha uma câmara mais selecionada, composta de vereadores que estejam comprometidos com a sociedade?
Mesmo sem ter salários, nós éramos muito comprometidos com a população, porque a gente se interessava pelas pessoas. Eram muito mais interessados pelas causas da cidade. Nem digo eu (somente), mas (também) vereadores como o Kido, Osmar Machado, Osni Souza, Pedrinho, o Geraldo Francisco, que veio a ser Prefeito; esse pessoal lutava por uma causa, eram muito comprometidos.
Hoje, vivemos em outra época, muito diferente daquela em que fui vereador. Eu acho que o vereador tem de ter salário e deve ser bem remunerado, e justamente para realizar bem o seu trabalho. Um vereador tem muitos gastos, hoje.
Onde funcionava a Câmara de Vereadores na sua legislatura? Os cidadãos marcavam presença nas sessões?
Era no prédio da esquina onde hoje funciona a Cigarraria do Maneca; tá ali praticamente igualzinho. Algumas pessoas iam, não muitas.
A diferença é que a grande maioria das pessoas que comparecia era para nos criticar, não apenas para assistir. Com raras exceções, os que compareciam era para ouvir; mas (a maior parte ia) principalmene para criticar, e tínhamos que trabalhar ainda mais. Houve um dia que, de tantas críticas, quase teve uma briga entre dois vereadores e tive que encerrar a sessão.
Qual diferença em ser vereador naquela época e hoje? O jeito de se fazer política ainda é o mesmo? É mais fácil, hoje?
Hoje, o vereador é remunerado, e acho que torna um pouco mais fácil para poder trabalhar. Nossa época era difícil, só se tornava um pouco mais fácil porque tínhamos muita amizade, o que já é mais difícil hoje. Aqui em Imbituba, tinham dois mandatários, Docas e Rimsa, e dependíamos muito deles. E também a política girava em torno destes, pois muitas das coisas tínhamos que pedir para eles, para poder ajudar a população.
Qual projeto que o senhor apresentou e que entende ser o mais importante em sua vida política?
Não tenho certeza se os projetos foram de minha autoria, mas um dos grandes projetos que nos empenhamos em minha época e lembro de ter assinado foi a abertura da estrada para Ribanceira e a abertura da estrada de Ibiraquera e Barra.
Chegávamos a ir para a obra para apoiar. Ficávamos o dia, levávamos alimentos, enfim, nos empenhamos para que fossem realizadas.
O que os vereadores deveriam aprender com aqueles de 40 anos atrás?
Serem muito mais humildes e carismáticos com o povo. Tem que se chegar mais no povo e aprender a ter mais união. Naquela época, éramos muito unidos para conseguir as coisas, até porque éramos todos de um partido só, todos Arena.
A sociedade vota maciçamente nas eleições para vereador, porém, logo que eles assumem, os eleitores passam a fazer críticas pesadas e a considerá-los inoperantes, rotulando-os de "farinha do mesmo saco". Os cidadãos não participam das sessões na Câmara e a maior parte do eleitorado diz que não gosta de política. Na sua opinião, por que isso acontece? Os eleitores têm razão em reclamar e não participar ou os vereadores são julgados de forma equivocada pela sociedade?
Porque eles abandonam o povo. A gente vê, como eu vi, os políticos batendo de porta em porta, pregando placas e placas nas casas, pedindo votos de rua em rua, a pé, e depois nunca mais voltam nas comunidades.
Eu, por exemplo, hoje (08/04) estive lá no (bairro) Araçá, pela manhã, para ajudar cinco pessoas e mais as crianças que eu sei que passam dificuldades; e fui levar algumas coisas, mas principalmente para dar um apoio em razão do dia das mães.
Na sua época, como se dava a divisão de cargos de confiança na prefeitura entre os vereadores? (pergunta de João Mário, da Rádio NBCFM)
Não havia divisão de cargos para os vereadores. Era com o Prefeito. Mas havia muita união do prefeito com os vereadores. A Câmara, na verdade, além das indicações e requerimentos apresentados pelos vereadores, era só para referendar os projetos do Poder Executivo. Como a gente vivia sob o regime militar, havia muito controle do governo.
O senhor foi candidato a prefeito pela ARENA, na eleição em que Eduardo Elias (MDB) elegeu-se prefeito. O que faltou para sua eleição? Por que se decidiu que apenas um candidato concorreria pela ARENA, enquanto o MDB lançou três?
Fui candidato a prefeito, pela Arena, contra três candidatos do MDB, os quais somados fizeram 250 votos a mais que eu. Perdi por 250 votos, aproximadamente.
Mas, na verdade, eu fiz cerca de 2.500 votos, enquanto que o prefeito eleito fez 1.200 e tantos, mas somada a legenda com os outros candidatos do MDB, os três fizeram 250 votos a mais que eu. Mesmo assim, se eu tivesse me candidatado três meses depois e com um outro vice, eu teria me elegido. Não que meu vice fosse ruim, mas é que ele vinha de um mandato de vereador anterior ao meu e isso prejudicou um pouco. Muitos diziam que se eu tivesse me candidatado com o Osmar Machado de vice, teríamos sido eleitos com facilidade.
Só o meu nome foi lançado porque não se conseguiu outros interessados para compor outras chapas e os convencionais não queriam Olivar Francisco de vice na minha chapa, que foi indicado pelo deputado estadual Epitácio Bittencourt, contrariando os convencionais.
Está filiado em algum partido? O que fez o senhor abandonar sua vida política? Costuma acompanhar a política local?
Não estou filiado. O que me fez abandonar a política foram dois fatos, mas o principal deles é muito interessante. Um foi questão de saúde, que comecei a sentir muito (dores) a perna e coluna; então, tive que diminuir o ritmo.
O segundo e principal fato foi que apresentei um Projeto de Resolução, na época, que modificava o nome da Avenida Brasil (hoje Av. Dr. João Rimsa), passando o nome da Avenida Brasil para onde ela é hoje, ligando os bairros Centro, Paes Leme e Vila Nova. Uma bela avenida, por sinal. O nome da atual Av. Brasil era Mendonça Lima, nome de um advogado do Grupo Catão.
A antiga Avenida Brasil passou a se chamar Avenida Dr. João Rimsa, onde se estabelece a antiga ICISA.
Os opositores da época, utilizando de má-fé, fizeram uma denúncia mencionando que eu teria extinguido a Avenida Brasil, quando na verdade eu apenas propus um projeto transferindo o nome. Os opositores fizeram crer que eu teria praticado um ato contra a Pátria.
Por isto, fui chamado pelos militares para dar explicações, e fiquei numa sala por quase 24 horas, até me chamarem para prestar as explicações. Assim que fui ouvido pelo general, fui imediatamente liberado, pois expliquei que uma outra avenida receberia o nome Brasil e teria tanta importância quanto à outra.
Hoje, isso é um fato simples, mas na época rendeu muito.
Tudo isso me deixou muito chateado com a política, pois vi que passamos a ser alvos de opositores que muitas vezes se utilizavam de inverdades, nos prejudicando. Então não quis saber mais de ser candidato a nada. Passei a acompanhar a política e acompanho até hoje, somente como apoiador. Acompanho a política local, com certeza, um pouco mais de longe, mas analiso bem todos os candidatos e a política atual. Muitos são meus amigos.
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Entrega do título de Cidadão Imbitubense a Ernani Cotrin |
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O senhor teria como apontar o que mais lhe causou tristeza e o que mais lhe trouxe satisfação durante o tempo em que atuou na política de Imbituba?
O que me causou mais tristeza foi o fato que acabei de contar, a respeito da Avenida Brasil; e foi o que me fez abandonar a política.
A alegria é que conheci muita gente de toda nossa região e fiz muitos amigos na política; a gente ganha muitos amigos na política. Além disso, o fato de tomar um conhecimento mais profundo da política, a essência da política, e poder ajudar a cidade em algumas coisas trouxe-me muitas alegrias.
Se o senhor tivesse que votar para escolher um vereador de destaque no período posterior à emancipação político-administrativa de Imbituba, quem receberia seu voto e por quê? E para prefeito?
Teria como fazer sua indicação para ambos os cargos, no período anterior à emancipação?
Mais recentemente, tiveram vários vereadores bons. Vejo Elísio Sgrott como um vereador muito consciente, dentre muitos outros. E esse menino que foi presidente por último, o Christiano, também se destacou muito. Ele foi um menino muito calmo e coerente, e soube unir a Câmara com a cidade, deixando-me muito satisfeito.
Mas de algumas épocas, de um pouco mais de tempo atrás, admiro o Elísio Sgrott.
Da minha época, anterior à emancipação, o melhor foi Osmar Machado.
Quanto a Prefeito, o primeiro prefeito, Nelson de Souza, foi um bom Prefeito. Mas de todas as épocas os melhores prefeitos foram os últimos.
O Jerônimo foi um ótimo prefeito em sua época. Depois o Osni trouxe muita coisa boa; e, o Beto, pelo dinamismo dele, que elevou o nome de Imbituba. Eu admiro muito o Beto, pois Imbituba cresceu com ele; mas tenho que dar um voto de louvor ao Osni, também, porque foi muito esforçado, trabalhou com muito amor por Imbituba e, talvez, se tivesse mais recursos, teria feito mais. E (Osny) teve uma primeira dama muito forte que se destacou muito e o ajudou.
Se algum vereador atual lhe pedisse um conselho, qual ou quais o senhor daria a ele? E se fosse o prefeito?
Continue numa batalha maior porque ainda tem muito para ser feito. O blá-blá-blá, muito blá-blá-blá dos vereadores não leva a nada, mas, sim, os projetos, as posições firmes em favor da cidade; e, principalmente, juntem-se mais ao povo. Se empenhem nos grandes projetos.
Como eu já disse, eu estive no Araçá e, lá, tem um
projeto de um túnel que é uma continuação importante da cidade e que precisa ser feito com urgência. O povo precisa destas obras e se vê um projeto lá, há quase 5, 6 anos, que precisa sair.
Meu conselho aos vereadores é: juntem-se mais ao povo e se empenhem nos projetos que beneficiem o povo.
Conselho ao Prefeito, que ele continue o trabalho dele. Eu era um amigo do seu pai (falecido) e sou de sua família, e eu pediria que ele fosse bem humilde e trate todo mundo bem.
Fiquei meio triste quando meu querido afilhado (o atual prefeito) separou um grupo que estava com ele, mas mesmo assim dou bênção a ele e oro por ele. Fiquei meio triste não só pelas pessoas que prezo muito e que estavam com ele, mas porque ficou um pouco ruim pra cidade, ficou um burburinho meio estranho na cidade. E isso é ruim porque estava indo tudo muito bem. Mas, mesmo assim, amo meu afilhado de coração e serei seu conselheiro, se preciso; e que ele continue o trabalho dele. Só fiquei triste e sou obrigado a dizer.
Se hoje algum partido lhe procurasse para lançá-lo candidato a vereador, o senhor aceitaria?
Não. Já fui muito convidado para ser vereador, vice-prefeito, prefeito, mas eu não quero mais cargo eletivo.
Quando Jerônimo Lopes foi candidato a prefeito e venceu as eleições, o Dr. Rimsa me chamou e disse que queria que eu fosse o candidato a prefeito. Eu disse que não. Aí, ele disse: então, vereador. Eu também disse que não, que eu não queria mais ser candidato. Foi aí que foi escolhido o nome de Jerônimo.
O senhor guarda alguma mágoa de alguém por causa da política?
Não. Eu não sinto mágoa de ninguém. Algumas coisas me magoaram no passado, mas hoje não sinto mais nada.
Eu aconselho as pessoas a não guardarem mágoa de ninguém. Torçam para que as pessoas sejam felizes.
(Na última foto, sessão solene da Câmara de Vereadores pela passagem do aniversário de Imbituba. Homenagem de Nelson Figueiredo a Ernani Cotrin. Da esquerda para a direita: Otávio Possenti, prefeito Edward E. Araújo, vereador Manoel de O. Martins, vereador Nelson Figueiredo, Ernani Cotrin, capitão militar Jonatan e o vice-prefeito Romeu Pires)
Sou suspeito a falar, mas lhe dou parabens pelo artigo e pela entrevista.
ResponderExcluirAcho que seu blog deveria manter essas entrevistas com pessoas importantes e historicas para nossa cidade.
Sugiro uma entrevista com Manoel Martins.
Abraço.
Ramiris