Projeto Anitápolis e o meio ambiente em risco

Já escrevi aqui sobre o Projeto Anitápolis, cujo empreendimento, segundo parecer técnico produzido pelo Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Tubarão e Complexo Lagunar, poderá causar prejuízos graves e irreparáveis a essa bacia, atingindo, inclusive, a Lagoa de Mirim.

O "Projeto Anitápolis visa à produção de superfosfato simples (SSP), adubo contendo fosfato (P), com concomitante produção de ácido sulfúrico no local, utilizando enxofre a ser importado e transportado a partir do Porto de Imbituba." (Fonte: Parecer Técnico ao Ministério Público e à Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina., produzido pela Profª, Dra. Sônia Corina Hess) (grifei - lembram da ICC?)

Para o funcionamento da indústria projetada, "está previsto o consumo de 175 t/dia de madeira na IFC-ANITÁPOLIS. Por outro lado, apesar de descrever que há grandes empresas de reflorestamento atuando em Lages e região, o empreendedor não descreveu, com exatidão, as fontes de onde tal recurso natural deverá ser obtido (EIA IFC-ANITÁPOLIS, v. 7, p. 128).

Considerando-se a expressiva quantidade de madeira a ser consumida, e o risco potencial que tal consumo representa para as matas nativas da região, acredita-se que o empreendedor deveria apresentar contratos de fornecimento de tal. Além da pressão pelo desmatamento, devida ao consumo de madeira como fonte de energia, a instalação IFC-ANITÁPOLIS também resultará na supressão de 360,5 hectares de matas atualmente existentes na área do empreendimento." (Profª, Dra. Sônia Corina Hess)

Outros pareceres técnicos produzidos pelos professores Dr. Luiz Fernando Scheibe e Dra. Maria Paula Casagrande Marimon para o Ministério Público. (clique sobre os nomes)
Interessante ressaltar que a própria Casan emitiu parecer em que atesta a possibilidade de poluição na captação do Rio Braço do Norte.

Enquanto trava-se uma batalha judicial, na esfera federal, entre ambientalistas, Ministério Público, municípios e a empresa que pretende levar a cabo seu projeto de explorar jazidas e produzir fosfato no meio de um paraíso ecológico, a imprensa estadual é tímida ao tocar no assunto, e aqui em Imbituba, pelo que tenho notícias, o blog Pena Digital foi o primeiro e único a abordar o assunto. E, para fincar sua bandeira na questão ambiental, fui até o município de Anitápolis para conhecer o local em que se pretende realizar o projeto.

No dia 11 de maio, acompanhado de Alisson Berckenbrock, fiscal ambiental da prefeitura de Imbituba, percorri mais de 300km para ir à pacata e bucólica Anitápolis, um município com pouco mais de 3 mil habitantes, em que a maior parte da população vive na zona rural.
Fomos recepcionados por Raquel Back, uma moradora que resiste ao projeto e tenta combater a intalação da empresa.

Sua casa localiza-se em um ponto cinematográfico, numa típica cena de cidade interiorana. Em frente a sua casa, uma pequena igreja; ao lado, passa o Rio Braço do Norte, e de sobre a ponte é possível ver o Rio Pinheiros Alto unir-se a ele. (foto abaixo)

Ali, no primeiro contato, Raquel já indicava um dano ambiental insólito. A empresa A. Mendes, de Gravatal-SC, retirou pedras do leito do rio para, segundo a moradora, usar na pavimentação de uma rodovia estadual, a SC 108.

Ora, as pedras são proteção do leito do rio e servem também para diminuir sua força.
De acordo com Raquel, precisou a Polícia Federal ir até lá para proibir a retirada de seixo rolado.

É difícil notar na foto, mas, ao fundo (seta - clique nas fotos para ampliá-las), vê-se que o rio apresenta águas alisadas, decorrente da retirada das pedras.
Se não houver alguns abnegados que se impõem, a ganância pelo dinheiro é um rolo compressor sobre todos nós.

Anitápolis tem sua economia pautada na agricultura familiar, e o pai de Raquel é um desses agricultores do município. Ela reclama da falta de apoio governamental para a atividade, o que contribui para que haja um êxodo rural no município.
Como a cidade tem sua geografia composta de muitos morros e montanhas, ser agricultor é ser herói.

Olhando nos olhos de Raquel se podia ver a expressão de angústia que o tema fosfateira lhe causa. Até porque sente a falta de apoio, principalmente político, pois o poder local é favorável ao empreendimento.
Para motivá-la, eu disse que as grandes revoluções são feitas pelas minorias. 

Perguntamos a algumas pessoas na cidade sobre o que pensavam da fosfateira, se seria bom ou ruim para Anitápolis. Todos tinham a mesma resposta: "não sei."
Por aí percebe-se o medo que uma população do interior sente ao ser questionada por forasteiros (nós) a respeito de uma empresa de milhões de reais. O silêncio é a regra. O poder econômico e político é quem manda.

Raquel relatou que nas eleições do ano passado discutiu com Luiz Henrique da Silveira, candidato ao Senado, em um comício de sua campanha. Esse fato foi muito comentado no twitter e o candidato teria dito a Raquel: "vou derrotar você no Senado". Luiz Henrique posicionou-se favoravelmente à fosfateira.
A preocupação hoje de Raquel é que, agora, Luiz Henrique será o relator do projeto do novo Código Florestal.

Anitápolis está dividida e Raquel reconhece esse panorama. Parte da população, segundo ela, deseja a indústria que promete centenas de empregos à cidade. Outra parte vê no empreendimento o desastre ecológico e poluição na região.
A fosfateira poderá retirar quase todos da agricultura, fazendo com que diminua a produção de alimentos no município. Instala-se um paradoxo. Enquanto o fosfato poderá ser utilizado para a fabricação de adubos, ao mesmo tempo pode retirar das mesas um pouco de alimento vindo dos rincões agrícolas.
Anitápolis abastece algumas cidades com produtos do campo.

Se há certeza que a economia poderá ser fortemente incrementada, a dúvida impera sobre o futuro, eis que a exploração da jazida será feita por pouco mais de 30 anos.
E depois? E a cidade? E os empregos? E a agricultura? E os danos ao meio ambiente?

Leitores, caminhamos pela estrada que nos levou ao silêncio da civilização e à balbúrdia dos sons da floresta. A água falava conosco enquanto silenciosamente caminhávamos em uma quase trilha encharcada de natureza! Quem não a ouve, só consegue escutar o tilintar das moedas!
Para onde se olhava só se via mata virgem, pássaros cantando, riachos e corredeiras.
Como disse Alisson, "eu não era contra o projeto; agora, ao ver tudo isso, eu sou!"







Um dos vários riachos que encontramos no caminho
Rio que nos acompanhou em parte da volta pra casa


No caminho de volta a Imbituba, em vez de retornar pela BR 282, descemos por uma estrada de chão que mais parecia uma prova de rally. Estrada estreita e esburacada, impregnada de curvas e muito perigosa. E lá fomos nós! Santa Rosa de Lima, Rio Fortuna, Braço do Norte, Gravatal e Tubarão.

As águas que descem de Anitápolis, pelo Rio Braço do Norte, vão se juntando a outros rios da região que formam a Bacia Hidrográfica do Rio Tubarão.
Mas como a poluição chegará até Imbituba? Fazendo o mesmo trajeto. Na área da fosfateira será construída uma barragem para ser usada como lavador na extração mineral, aproveitando principalmente o Rio Pinheiros Alto. Vários produtos químicos perigosos serão usados. E conforme relatório ambiental independente, esses produtos contaminarão todos os rios e lagoas por ondem passarem. E chegarão também às lagoas de Mirim e Imaruí.

Alguns municípios já ingressaram com ações judiciais contra o empreendimento: Laguna, Rancho Queimado, Tubarão, Rio Fortuna, Sao Lugdero e Braço do Norte. Imbituba, não!

Por enquanto, o projeto da fosfateira está somente no papel, graças ao trabalho efetivo da ONG Montanha Viva e seu advogado Eduardo Bastos M. Lima, além dos municípios contrários e da própria Justiça Federal, que entendeu, até a presente data, que a concretização do Projeto Anitápolis ferirá de morte o meio ambiente e os mananciais da região.

Até hoje, foram 15 tentativas de reformar a decisão prolatada pelo Judiciário Federal, na Ação Civil Pública nº 2009.72.00.006092-4, que se econtra atualmente no STJ (Processo: Ag. 1396504 Registgro 2011/0019070-7 Número único: 0034489-65-2010.4.04.0000)

Além desse processo, conforme informação do referido advogado, o TRF julgou procedente o recurso de apelação da Defensoria Pública da União, e que graças a esse fato, passam a ser duas as ações contra a Fosfateira.

Como dizem que só preservamos o que conhecemos, trago a você, leitor, um pouco de informação sobre o Projeto Anitápolis, para que cada um analise qual posicionalmente deve ter.

Como estamos aqui, longe de Anitápolis, mas próximos das consequências do projeto, resta-nos reivindicar ao Poder Público de Imbituba que integre o grupo de municípios contrários à fosfateira ou, simplesmente, silenciemos.

8 comentários:

  1. Penélope Charmosamaio 21, 2011

    Pena,

    Parabéns pelo excelente texto e o trabalho de você e o Alisson de se deslocar até Anitápolis para ver a real situação daquele município.

    O problema se tornou mais palpável, pelo menos no meu ponto de vista, que num primeiro momento eu era a favor deste projeto, depois de pesquisas e por último com o seu texto, mudei o meu posicionamento e sou contra.

    Realmente, é um absurdo a instalação desta empresa num local com uma beleza natural singular.

    Além do impacto ambiental que será provocado não só em Anitápolis, mas sim em toda região.

    Espero que este texto sirva de alerta às autoridades municipais de Imbituba, que tomem um posicionamento sobre o assunto.

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  2. Bom dia Pena e Penelope...
    Essa viajem foi uma das mais preciosas aulas que tive na minha vida, principalmente porque me fez enxergar situações sobre um prisma mais amplo, antes não alcançado por meus olhos.
    Sempre fui um defensor do desenvolvimento econômico, com geração de empregos e renda, e isso geralmente se dá por meio da industrialização de uma região. Contudo, ao visitar Anitápolis e conversar com a Raquel e com Rúbia, e ver a situação "in loco", alguns pontos nesse meu conceito mudaram. Continuo com o mesmo pensamento de que muitas leis ambientais e muitas ONGs, como WWF e GreenPeace, atendem a interesses econômicos de países desenvolvidos que não querem o crescimento de países emergentes, como o Brasil por exemplo. Porém, na industrialização de uma cidade sempre vai agredir o meio ambiente, de uma forma ou de outra, e o cuidado deve ser para que essa agressão seja a menor possível, e que a natureza possa se regenerar com o tempo.
    No caso da fosfateira, é explícito que a degradação ambiental será devastadora, e creio, a ponto de não deixar possibilidades de recuperação a natureza, isso sem contar os transtorno que ela levaria a outras cidades, como Imbituba.
    O caso da fosfateira rogo que o bom senso e a resistência de parte da população possam ter forças suficientes para impedir a degradação daquela bela cidade.
    Abraços
    Alisson Raniere Berkenbrock.

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  3. Parabéns Pena Digital e parabéns Alison pela pesquisa feita em campo. É um assunto de importância e interesse para as cidades de Imbituba, Imarui e Laguna. Estou gostando de ver o Alison atuando nessa área.

    Carla Machado.

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  4. Pena e Allison,

    Queiram aceitar minhas sinceras congratulações e admiração pelo excelente trabalho de pesquisa em campo realizado, que acredito ser pioneiro por essas bandas.

    Esta aí um alerta para não termos a repetição do episódio da abertura e fechamento das minas de fluorita, ocorridas recentemente, conforme a vontade de grandes conglomerados industriais, cujos interesses econômicos sobrepujam aos da sociedade e do respeito ao meio ambiente.

    Um forte abraço.

    Cândido.

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  5. Muito bom trabalho. Que dupla garotos. Junto-me aos que congratulam vocês, Penadigital e Alison pela matéria e visita a cidade para falar com conhecimento sobre o tema tão polêmico. Parabéns.
    Lourenço Ramos, Garopaba.

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  6. Parabens pela matéria e principalmente pela fidelidade aos fatos.
    As moradoras Raquel e Rúbica fica o reconhecimento pela coragem em expor a sociedade aquilo que muitos não podem ou não querem tratrar: a verdade.
    Aos oportunistas de plantão que venderam uma falsa imagem da atividade fica a questão: onde estavam em 2010 quando as chuvas assolaram a região deixando Anitapolis durante dias sitiada?
    Não se esqueçam do que aconteceu em Imbituba e agora recentemente em Rio FOrtuna, a mineradora fechou e o passivo ambiental é da cidade. Pois como diz o EIA/RIMA quem vai determinar o funcionamento da fosfateira é o mercado.
    FIca o alerta.

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  7. Ao leitor que se identificou como "Juka", informo que só atenderei sua solicitação se for encaminhado outro pedido com o mesmo endereço eletrônico do comentário, para que eu possa conferir que se trata do mesmo leitor.

    À leitora que enviou comentário sobre o "ROLO COMPRESSOR", solicito que leia as regras para postar neste blog. Seu comentário, infelizmente, não poderá ser publicado, por um simples detalhe que você esqueceu: uma identificação (leia nas regras). Gostaria muito de publicá-lo.

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  8. muito bom... parabéns precisamos muito disso, Anitápolis é um lugar lindo que precisa de gente que faça...
    sou moradora da região, moro a poucos km da jazida de fosfato, de fato nosso município não tem infraestrutura para acomodar tal empreendimento. poderia aqui levantar aqui diversos fatos que me levam a crer ser este um empreendimento inviável. dentre eles um asfalto que não aguenta o pequeno trafico local... a falta de infraestrutura para abrigar o milhares de empregados necessários... danos ambientais que terão reflexos diretos nas vidas dos agricultores locais..
    enfim... quanto a administração local, citada na reportagem, acredito que não se possa apenas reclamar, embora ela permita sim que as pedras do rio sejam retiradas e levadas embora, e tenha deixado muitos pontos a desejar. temos ônibus escolares que atendem todas as crianças, deixando as na porta da escola, e na porta de casa. veículos destinados a saúde que levam todos os pacientes que não podem ser atendidos no município, deixando-os na porta do hospital em que tem consulta marcada.
    quanto a agricultura da região, de fato, a fatores que poderiam melhorar, como o acesso a algumas (quase todas) as comunidades, facilitando a exportação. mas vejo que uma saída eficaz seria a criação de uma cooperativa, no entanto vejo também pessoas que estão muito preocupadas em venderem sozinhas, inviabilizando a formação de uma cooperativa.
    na qualidade de estudante de biologia, acho que temos um grande potencial turístico, temos lindas pousadas já montadas, e não tenho preocupações ambientais hoje, mas temo pela implantação da fosfateira... e acredito que não a administração que faça tudo sozinha, a mudança tem que vim do povo...

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