O poder do Estado Local na reestruturação espacial de Imbituba–SC
Dando continuidade ao estudo realizado pelo leitor Paulo Henrique Schlickmann*, denominado Imbituba: algumas contrapartidas do crescimento, publico o seu segundo trabalho.
Sei que a maioria dos leitores não gosta de ler artigos científicos como este, mas diante de sua atualidade e com previsões do futuro para o nosso município, entendi que seria muito interessante divulgar essa análise acadêmica. Afinal, o progresso e a sustentabilidade passa pelas academias e não pelo empirismo.
Diferentemente do primeiro estudo, este será totalmente publicado em um só post:
Para trabalhar em prol do desenvolvimento histórico da sociedade encontramos diversas inspirações, umas momentâneas, as quais se não escritas serão esquecidas, e outras encravam em nosso pensamento e jamais nos abandonam. Nesse momento, analisando o ensaio anterior no qual trabalhamos as Contrapartidas do Rápido Crescimento em Imbituba nota-se novas lacunas, estas inspiram debater e escrever. Para seguir um padrão formal, padronizaremos este estudo do seguinte modo: a geografia econômica e regional norteará nossos escritos, ajudando a identificar o papel da Formação Espacial como obstáculo e ao mesmo tempo sustentáculo do estabelecimento da indústria da Votorantin em Imbituba. Para tal, utilizaremos os aportes teóricos de Santos (1977; 1988 e 2009), Sereni (1976) e Lefebvre (1999).
Outro caminho a percorrer nesta análise é a de entender a dinâmica capitalista da dispersão, movimentação e expansão do capital de uma indústria para regiões menos desenvolvidas, com base teórica em Mamigoniam (1976) e principalmente em Harvey (1990).
Por fim identificar o papel do Estado nesta transição e as possíveis tensões entre as classes líderes do Município e a nova estrutura hegemônica que tenta se estabelecer em Imbituba; para tal interpretação busca-se luz em Schumpetter (1989) e Harvey (2006).
Portanto para estabelecer uma conexão entre a base teórica e a realidade espacial instalada em Imbituba, deve-se entender qual a problemática do estudo, sem a qual estaríamos apenas supondo freneticamente algo sem necessidade de amparos e soluções. O problema central é entender as principais transformações espaciais e conjunturais que recairão sobre Imbituba, levando em consideração a instalação da indústria de cimento da Votarantim no seu território. Como consequência, podermos participar da organização sócio-espacial de Imbituba, compreendendo a realidade atual, para transformarmos coerentemente o espaço historicamente estabelecido.
Para início de conversa, Santos (1977) dá-nos a luz referente à sociedade como um todo, onde afirma com veemência que “não há uma sociedade geral, mas um invólucro que envolve diversas formações sociais”, portanto entende-se que cada espaço dado e determinado se destaca pela sua formação social específica e o conjunto de formações sociais estabelece-se como totalidade. Ainda, Santos (1977) afirma que cada sociedade veste a roupa de seu tempo, dando sustentação a Harvey (2006), para o qual o espaço não é objeto estável para a realização da história, fazendo-nos entender que o Espaço por si só é social.
No Capítulo XXV do Capital, de Marx, vamos entender dois princípios básicos do capitalismo: 1- que ele está sujeito a crises devido à superacumulação; 2 - que uma das saídas para a crise é a expansão. Ou seja, a crise se estabelece no capitalismo normalmente devido à superprodução e a saída desta crise está em buscar expandir seus negócios em lugares ainda não explorados. Talvez, por isso, Marx intitule este capitulo como “A Teoria Moderna da Colonização”.
Unindo este instigante texto marxista ortodoxo com os princípios de Santos e Harvey; perceberemos que o Espaço Socialmente estabelecido de Imbituba cairá como pano de fundo na constante reafirmação e expansão das leis do capital. Uma prova disso é a afirmação do Grupo Votorantin que entende haver atrativos no local para instalação da indústria.
O problema na inserção da indústria em um novo espaço é que “na cabeça do capitalista deve-se controlar o tempo do trabalho excedente e transformá-lo em lucro, com mínimo tempo de circulação do capital possível” (HARVEY, 2006, p145). Portanto, este capital se resume em forças externas instalando-se em Imbituba, por consequência, abalará toda a coerência historicamente estruturada do espaço local/regional, sem causar trauma ao capitalista, mas forte pressão social e física no espaço local. Deve-se admitir que por alguma razão a cidade foi “escolhida” por esse grande grupo nacional.
Para Santos (2009), “as infraestruturas 'regulam' comportamentos e desse modo 'escolhem', 'selecionam' os atores possíveis”; neste caso, entende-se que motivos estruturais e superestruturais fizeram a Votorantim admitir Imbituba como local de alto poder atrativo.
O que devemos lembrar é que existem identidades históricas, um espaço próprio da cidade, e que agora tende a racionalizar-se visando às regras ditadas pela grande corporação. Insistindo que o Espaço Local passará a obedecer à lógica coercitiva e racional do capitalismo moderno.
Destaca-se que no artigo anterior já havíamos salientado para a ruptura e comprometimento do pequeno negócio local, seguindo a visão de Lênin (1982). Neste caso, o poder coercitivo do capital externo disciplinará os negócios locais, sendo os menos desenvolvidos e as pessoas correndo os maiores riscos na ampliação concorrencial interurbana estabelecida em Imbituba.
Os novos objetivos custam caro. Santos (2009, p.308) vai destacar que “O poder público acaba aceitando uma ordem de prioridade que privilegia alguns poucos atores, relegando a um segundo plano todo o resto: empresas menores, pessoas, agravando a problemática social.”
Por intermédio de Lago (1996), nota-se que serão frequentes as pressões sociais recaídas sobre o Estado, uma vez que a estrutura local, ainda padronizada para movimentos intermediários, irá sofrer intensa procura, desgastando assim toda cadeia estrutural.
Na visão de Estado sugerida por Marx e Engels, em “A Ideologia Alemã”, notamos que o Estado, composto pela classe local dirigente, tem de exercer seu poder em seu próprio interesse de classe, enquanto divulga, sem ressalvas, que suas ações são para o bem de todos. No entanto, na visão de Harvey (2006), a força externa estabelecida tende a abalar toda a coerência estruturada de um território, inclusive a coerência no poder de classes hegemônicas. “A nova economia regional tende a alcançar sua própria coerência estrutural interna, para moldar sua própria aliança de classes [...] com poder expansionista acossada pela luta de classes local, inerentemente instável.” Portanto, as enxurradas de transformações no espaço local não recairão somente sobre os menos favorecidos, uma vez que defendendo seus próprios interesses, abrindo as portas para a grande indústria, a classe dirigente do município criou espaço para fortes interesses externos, dantes inexistentes.
Pensando de forma positiva, Harvey (1990) demonstra que em momentos cataclísmicos, que reconstroem toda a geografia do capital, destroem as estruturas locais e as alianças de classes regionais rígidas, podendo acomodar melhor a dinâmica tecnológica, conflituosa, indócil e mutável. Mas nunca essa transformação será completa sem obedecer ao princípio de Schumpetter sobre “A Destruição Criativa”, pelo qual os capitalistas de modo tão dramático transformam o mundo. Por esse ponto de vista, os produtos do espaço possuem data marcada para o fim, a estrutura estabelecida será destruída para a construção de uma nova ordem.
Notamos desse modo um sistema ainda mais dinâmico, no entanto mais celetista e diferenciador de classes.
Nota-se, sobretudo, que dificilmente haverá, segundo Santos (2009), o estabelecimento de grandes indústrias em território alheio, sem as chamadas “parcerias públicas – privada”; referentes a isso, incentivos fiscais, doações de terrenos, amortização de impostos, recrutamento de mão-de-obra, entre outras.
Nessa problemática usa-se o exemplo de Harvey (2006, p. 181): “Nos Estados Unidos [...] as parcerias público privadas equivalem a conceder subsídios às empresas afluentes para que elas permaneçam na cidade, à custa do consumo local da classe trabalhadora e dos pobres”.
Não se pode esquecer que o poder público municipal concebe o desenvolvimento atual como redentor, proveniente de ações políticas bem sucedidas e planejadas, tendo esse projeto específico como a cara de seu governo.
Seguindo a situação Norte Americana proposta por Harvey anteriormente, observa-se a nota que ele sugere: “Projetos específicos em um determinado lugar, torna-se o foco da atenção pública e política, desviando a atenção e até recursos de problemas mais amplos.” Assim, ao mesmo tempo em que devemos entender o projeto como “redentor”, temos que analisar que a cidade pode fracassar, caso não ofereça condições para a indústria se manter.
Por outro lado, são inúmeras as combinações favoráveis ao desenvolvimento, principalmente em se tratando da aceitação pública. Notavelmente os grupos locais, desde aqueles menos qualificados até os que possuem certo nível de formação, estão ansiosos devido às promessas de crescimento; não podendo ser por menos, já que se estávamos acostumados com refugas políticas de pequena abrangência favorecendo aqueles que possuem algum elo forte.
Para não se estender em busca do fim, objetivo enfatizar a necessidade do planejamento, do estudo e, principalmente, da organização público-administrativa, sendo que o rápido crescimento é impiedoso para com os incompetentes, não querendo enaltecer as mazelas conhecidas, mas tentando alertar para a força do poder coercitivo que o capital externo possui.
O que nos deixa entristecido nessa história é que o potencial para o crescimento de Imbituba teve que ser aceso pelo capital externo à cidade, talvez porque o poder público municipal entenda que as iniciativas locais são incipientes; assim como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso interpretava a indústria nacional em seu governo.
* - 1: Texto para conclusão da disciplina: Categoria de Formação Sócio Espacial como Teoria e Método. Disciplina componente da grade curricular no programa de pós graduação da UFSC – Nível mestrado. Continuação do artigo: Imbituba: Algumas Contrapartidas do Crescimento.
*- 2: Aluno do departamento de pós graduação em Geografia da UFSC. Especialização / Mestrado em Geografia do Desenvolvimento Regional e Urbana. Impactos da Participação do Estado Local na Reestruturação Espacial de Imbituba
Referencial Teórico
HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo – SP, Ed. ANNABLUME, 2ªed. 2006.
________. Los Límites del Capitalismo y la Teoría Marxista. México – Me. Fundo de Cultura Económica, 1990.
LAGO, Paulo, F. Florianópolis: A Polêmica Urbana. Florianópolis – SC, Ed. Palavra Comunicação. 1996.
LEFEBVRE, Henri. El Materialismo Dialéctico. In: http://pagina.de/manuelmanriquez, ed. Elaleph.com Copiright, 1999.
LÊNIN, V. I. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. São Paulo - SP, Editora Abril Cultural, 1982.
MAMIGONIAN, Armem. Localização industrial no Brasil. In: Boletim Paulista de Geografia. Nº 51, São Paulo – SP, 1976.
MARX, Karl. Teoria Moderna da Colonização. In: O Capital. Rio de Janeiro – RJ, Zahar Editores, 4ªEd., 1975.
SANTOS, Milton. Metamorfose do Espaço Habitado, fundamentos teórico e metodológico da geografia. São Paulo - SP, Hucitec, 1988.
________. A natureza do Espaço. São Paulo – SP, Edusp, 2009.
________. Sociedade e Espaço: Formação Social como Teoria e Método. In: Boletim Paulista de Geografia. Nº 54, São Paulo – SP, 1977.
SERENI, E. La categoria de Formación Económico-social. Cuadernos de Passado y Presente. Cordoba, Argentina: Siglo XXI, 1976.
SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.
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