Por Alisson Raniere Berkenbrock
Toda viagem a um lugar desconhecido me deixa empolgado e excitado com a possibilidade de novos aprendizados. Conhecer culturas, costumes e tradições diferentes é uma paixão para mim desde criança, e sempre estou pronto para uma aventura em busca de conhecimentos, e por esse motivo minha viagem para Roraima e Venezuela deixaram-me totalmente empolgado.
Eu me deitava à noite e imaginava a cultura Macuxi, Yanomami, Wapixana; as tribos indígenas e os costumes dos caboclos de Roraima. Da mesma forma imaginava como seria estar na Venezuela, “in loco” num lugar com suas peculiaridades, e com um ditador que não raramente deixa a comunidade internacional de cabelos em pé.
Inicialmente, minha intenção era estabilizar-me no Norte do Brasil, mas essa intenção já mostrou fraquezas assim que desci no aeroporto de Boa Vista. Minhas primeiras palavras em Roraima foram “Meu amor, por que não ligam o ar condicionado do aeroporto?”. Minha esposa respondeu: “Já está ligado, meu bem”.
Calor de 38,5 graus na sombra, sem vento, sem nuvens no céu. Confesso que nesse momento mudei de ideia e comecei a mudar minhas intenções com relação a me estabelecer por lá.
Em apenas uma semana no Estado de Roraima contraí dengue. Dores insuportáveis por todo corpo, dor de cabeça e febre alta, fazendo-me arrepiar com os calafrios, num clima superior a 36 graus de temperatura.
O tratamento para a dengue no Estado de Roraima e demais lugares no Norte do Brasil é o seguinte: tilenol a cada 8 horas para suavizar as dores, e, se em dois dias você continuar vivo, parabéns, sobreviverá à doença.
Após minha recuperação, decidi viajar mais 250 quilômetros ao norte, com destino a
Pacaraima: palco da guerra entre índios e rizicultores, fato noticiado por toda imprensa nacional e internacional.
Minhas intenções era conhecer a cultura indígena e ir à Venezuela, que faz fronteira com essa cidade.
A viagem estava começando justamente no início do jogo do Brasil na Copa. Jogaríamos contra o maior adversário de nossa chave: Portugal. Talvez, por isso, o motorista do ônibus que se achava Rubens Barrichello enfiou o pé no fundo do acelerador, com esperanças de chegar a tempo de assistir à final da monótona partida.
Desembarcamos na agência rodoviária de Pacaraima, por volta das 16h00, e fomos imediatamente para o único hotel que havia.
O clima agradável da cidade foi um bálsamo para mim. Por estar a mais de 900 metros de altitude, Pacaraima tem um clima semelhante à primavera de Santa Catarina.
Decidi fazer uma caminhada com minha esposa pela pequena cidade. Ela estava empolgada mostrando-me o local. Vale lembrar que ela residiu nessa cidade dos 10 aos 13 anos de idade. Fomos até a casa onde ela morou durante aqueles 3 anos, quando seu avô trabalhava com importação de produtos venezuelanos.
Durante essa caminhada não pude deixar de observar um detalhe. Praticamente em cada esquina há uma igreja evangélica, geralmente Assembléia de Deus e Igreja Batista.
Havia muitos índios, também, e a maioria dirigindo suas pick-ups importadas, trajando roupa social e falando nos seus celulares modernos.
Essa visão foi um choque para mim, que como a maioria imaginava os povos indígenas brasileiros ainda com suas tradições e costumes. Passei a noite inteira pensando sobre isso, querendo entender o que estava diante dos meus olhos.
No dia seguinte, conheci no hotel um empresário local. Um homem muito culto e disposto a uma boa conversa. Não perdi a oportunidade. Durante o café, comentei meu espanto com o que vi no dia anterior. Ele simplesmente sorriu e começou a falar. Contou-me que índio com a cara pintada, facão na mão e dançando em seus rituais só se vê na televisão. Ao desligar da última câmera de TV, os índios tomam banho, vestem suas roupas e saem dirigindo suas camionetes importadas, ouvindo no CD player do veículo o último sucesso evangélico. Eu ouvi Reges Danese no volume máximo, sendo tocado de dentro de uma Nissan Frontier cheia de índios de terno.
A conversa continuou. Relataram-me que dentro de cada aldeia indígena existe uma sede de uma igreja evangélica. Nelas esse povo se reúne todos os dias para orar e debater questões ligadas a suas causas, sempre com a supervisão de um pastor ou missionário enviado para lá com essa missão: supervisionar e sugestionar.
Nessas conversas houve, inclusive, a afirmação de que o conflito entre índios e rizicultores foi incitado pelos pastores dessas igrejas, que alegavam em seus discursos inflamados de que eles estavam sendo roubados, e que os valores pagos a eles pelas terras onde havia o cultivo de arroz era miséria, comparado ao que realmente eles mereciam receber.
Parti para outra linha de raciocínio. Qual seria o real interesse das igrejas evangélicas nos índios?
Caro leitor, se você for pesquisar sobre os benefícios que os povos indígenas recebem do governo, somados a seus negócios, como contrabando de madeira, você chegará a um valor astronômico, pode acreditar. Afirmo que apenas dez por cento desse valor já é algo assustador, que foge à realidade de muitos empresários que pagam seus impostos em dia e com muita luta geram empregos em nossa sociedade. Bom, já dá pra entender o real interesse das igrejas nos índios.
Em certo momento da conversa, citei um fato noticiado há quase dez anos atrás no Jornal Nacional e no Fantástico, sobre o suicídio em massa de jovens índios naquela região, e de imediato uma pessoa disse: “Lembro-me e isso aconteceu justamente quando os missionários começaram seu trabalho de evangelização dos indígenas”.
Lógico: se chega alguém do nada, dizendo que seus costumes e tradições vão lhe levar para uma suposta danação eterna, você fica sem chão, pois sua cultura é passada de geração em geração, por séculos. Imaginem um jovem índio, de 16 anos de idade, ouvindo isso e imaginando seus pais e avós queimando num inferno. Faria qualquer um perder o gosto pela vida.
O homicídio cultural que certas igrejas evangélicas, e até a católica, vem promovendo no Norte do Brasil não é noticiado pelos grandes meios de comunicação, assim como os verdadeiros motivos de eventos que causam comoção nacional.
Perguntem à Rede Globo ou à Rede Record quem ficou com a última safra de arroz de Pacaraima. Perguntem aos antropólogos o que realmente levou mais de cem jovens indígenas a cometerem suicídio?
Com a palavra, os fabricantes de notícias.
Nossa, concordo muito com vc! As igrejas estão terminando o trabalho dos colonizadores que chegaram às Américas. Ou seja: estão acabando com o que sobrou da cultura indígena. Quando alguém vai tomar uma providência?
ResponderExcluirUm grande abraço.
Mônica