O problema da Justiça: uma contribuição para além do liberalismo e do socialismo

Por Arrison Berkenbrock

São poucos os indivíduos que questionam a Justiça como elemento constitutivo de uma sociedade civilizada. Desde a Grécia Antiga aos tempos modernos, vários filósofos despenderam muito tempo na árdua tarefa de apresentar um conceito plausível para o termo supracitado.
Longe de chegar a um consenso, a filosofia possibilitou o suscitar de inúmeras teorias, sem, contudo, esboçar uma conclusão definitiva (aliás, a única conclusão definitiva em filosofia é “que não existe conclusão definitiva”). Não é à toa que muitos estudiosos não hesitam em afirmar que o conceito de justiça se apresenta para o filósofo assim como a origem do universo se manifesta para o astrônomo.

O problema é evidente: há pessoas passando fome, cujo rendimento não permite garantir a própria sobrevivência, há crianças sendo comercializadas e prostituídas nos mais diversos lugares, há pessoas que morrem em função de suas ideias, há pérfidos políticos que usurpam dinheiro público e não são punidos adequadamente. Enfim, em face destes problemas percebemos a insuficiência de nossas instituições morais. Inevitavelmente, surge a seguinte pergunta: como é possível uma sociedade justa?

O presente artigo quer ser uma contribuição à temática exposta, longe de levá-la à exaustão, prentende-se tão-somente lançar luz ao controverso tema. Para tanto, faço uso das contribuições teóricas do filósofo estadunidense John Rawls, na obra “Uma Teoria da Justiça (1971)". Afinal, parafraseando Robert Nozick (crítico de Rawls) “Uma Teoria da Justiça é uma obra de filosofia política e moral poderosa, profunda, subtil, de grande fôlego, sistemática, à qual nada se pode comparar desde os escritos de John Stuart Mill, quando muito. É uma fonte de ideias luminosas, integradas num todo cativante. Os filósofos da política hoje têm ou de trabalhar no seio da teoria de Rawls ou de explicar por que não o fazem”. (Anarquia, Estado e Utopia, Cap. 7, página 228).

O pressuposto inicial da Teoria da Justiça de Rawls é a rejeição ao utilitarismo. Para o utilitarismo, em sua variante clássica, uma ação correta é aquela que maximiza a felicidade a um maior número de pessoas. Logo, num desdobramento analítico, seria permissível provocar o sofrimento a um ou alguns membros da sociedade, desde que tal atitude possibilitasse a felicidade da maioria.

Rawls, longe de abordar a questão de política de maneira idealista, parte do pressuposto que a desigualdade é intrínseca à vida social. Os seres humanos apresentam um comportamento egoísta racional, ou seja, através do investimento da razão procuram encontrar caminhos que possibilitem uma melhor posição social, não obstante sem a preocupação de encontrar os mesmos caminhos aos seus semelhantes. Mesmo assim, Rawls acredita na possibilidade de minimizar essa situação. Mas, como?

O caminho perpassa pela associação. Trata-se, portanto, de um pacto entre os indivíduos que compõem o corpo social. No mesmo, os indivíduos estabelecem princípios de vida em comum. Para que a escolha dos princípios não seja maculada por interesses individuais, a mesma deverá ser efetuada por trás de um véu de ignorância, ou seja, os indivíduos não podem saber a posição que ocupam no ordenamento social, a fim de garantir a imparcialidade. A essa situação sumária, Rawls denomina de posição original.

Nesse sentido, Rawls formula sua concepção geral baseada em dois princípios, a saber: o princípio da liberdade igual - a sociedade deve garantir a máxima liberdade para cada pessoa, compatível com uma liberdade igual para todos os outros; o princípio da diferença - as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: primeiro, devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades e, em segundo lugar, têm de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade.

Como percebemos a concepção de Justiça rawlsiana parte da ideia de que todos os bens sociais primários - liberdades, oportunidades, rendimentos etc - devem ser distribuídos de maneira igual, a menos que uma distribuição assimétrica beneficiem os menos favorecidos da sociedade. Por conseguinte, na perspectiva de Rawls, seria permitido aos médicos ganharem mais do que a grande maioria das pessoas, desde que isso permita aos mesmos investirem em sua formação e recursos tecnológicos, tornando mais eficaz o tratamento de doenças e desde que, evidentemente, esses tratamentos estejam disponíveis aos menos favorecidos.

É justamente esse posicionamento que torna Rawls um liberal. Evidente que não se trata de um liberal à guisa de Hayek. O que se verifica em seu pensamento é a defesa de um liberalismo com preocupações igualitárias. Na verdade, a grande pretensão de Rawls em sua Teoria da Justiça é conciliar os dois principais valores do mundo moderno - a liberdade e a igualdade -, valores esses aparentemente inconciliáveis quando compreendidos sob as visões das grandes ideologias do século XX (liberalismo e o socialismo). O grande mérito de Rawls foi construir uma teoria que seja, concomitantemente, atento com o valor da liberdade como valor supremo da vida humana e com o valor da igualdade como valor fundamental na convivência social.

2 comentários:

  1. Caro Arrison, no meu entendimento a liberdade e igualdade se conciliam quando unidas pela FRATERNIDADE, que não se confunde com caridade e solidariedade.

    César de Oliveira

    ResponderExcluir
  2. Caro César, agradeço pelo comentário.
    O pensamento de Rawls acerca dos princípios da justiça se coadunam com o conceito de fraternidade?
    Atenciosamente.
    Arrison

    ResponderExcluir

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