Jeitinho brasileiro: 'tem de ser esperto!'

Leitor, em quase todo lugar que você vai tem aquele aparelhinho manual ou elétrico para você pegar sua senha de atendimento. E tinha um desses na padaria que fui, certo dia.

Entrei, peguei a senha e fiquei ao lado de um colega, que já esperava pelo atendimento. Atrás do balcão havia apenas uma atendente, que já atendia outro cliente.

Instantes depois, entram duas jovens, cada uma com material escolar e aparentavam ter uns vinte anos de idade. Pareciam estar com pressa. Eu, também.

E tudo estava tranquilo, quando a atendente apertou o mecanismo para chamar a próxima senha no painel eletrônico. Para nossa surpresa - minha e de meu colega -, uma das moças diz "aqui", e estende a mão entregando a senha chamada. E minha pergunta veio de imediato: como você pode ter essa senha, se chegamos primeiro? E completei: só se a senha estava caída e nós não vimos. E era isso mesmo que havia acontecido. E foi nesse momento que veio a sentença de uma delas: "tem de ser esperto!"

E ignorando o fato de chegarmos antes, as moças fizeram seus pedidos, que foram atendidas pela funcionária da padaria, que valorizou a senha e não os princípios básicos que todo cidadão deve ter: educação e respeito.

É, leitor, parece que essa é a máxima neste país. É ser esperto! É ser malandro! É o jeitinho brasileiro ou a lei de Gerson. Ser educado, ser honesto é vergonhoso, é brega. O importante é mostrar o quão esperto é. Isso é valorizado pela sociedade!

Tomando como exemplo, acredito que moças como essas costumam reclamar dos políticos, do serviço público, do baixo salário, de sua condição de vida e das dificuldades que encontram para conquistar o futuro que almejam, justamente porque ser esperto se transformou numa das maiores mazelas do Brasil, quando na maioria das vezes essa atitude prejudica alguém. Porque ser esperto é sinônimo de corrupção!

De certa forma, senti pena das pobres moças. Enquanto elas se acham espertas ao furarem a fila em uma padaria, há muitas pessoas bem mais "espertas" atuando politicamente para lhes retirarem a possibilidade de serem inteligentes, cultas e com um futuro promissor.

Sentirão a angústia quando não houver uma vaga no hospital, na escola, na creche, no trabalho pretendido, no concurso público realizado, porque alguém furou a fila.

Talvez, com um jeitinho, elas consigam uma indicação para um cargo público. Talvez, sendo espertas, consigam uma vaga de estagiária em algum órgão público. Mas serão sempre dependentes de suas péssimas atitudes e dos políticos que lhes darão esmolas.

E o pior é que o jeitinho brasileiro contagia. Outros cidadãos, ao serem vítimas, podem passar a agir da mesma forma, como defesa, gerando um círculo vicioso e alimentando a corrupção.

Assim como aquela regra de que gentileza gera gentileza, bons exemplos tendem a transformar pessoas e atitudes. Então, que tal ser exemplo de inteligência e não de esperteza?

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