O carrancudo e o sorridente

Ninguém gosta de pessoas carrancudas. Todos gostam de pessoas sorridentes e boazinhas. Contudo, "ninguém" e "todos" são palavras que não se pode usar, pelo menos nesse caso. Se o leitor não concorda, deixo a ele a reflexão sobre isso.

Carrancudo é o cara que pouco sorri, que é visto como mau humorado. Indivíduo tido como antipático e de poucos amigos. Gostar de carrancudos não é fácil, principalmente quando são autênticos. Quem gosta de autenticidade? Quem gosta de ouvir a verdade? Quem se arrisca ser verdadeiro? Até porque autenticidade não é vista como qualidade, mas defeito. Ser autêntico depende de querer ser ou de poder ser?

Eu sempre fui visto como um indivíduo carrancudo e antipático. Quem me conhece na intimidade sabe que não sou assim, embora o senso crítico não se separa de mim em nenhum momento.

Minha profissão foi um doutorado no aprendizado da vida. As pessoas preferem o sorriso, ainda que falso. Preferem os elogios fáceis à critica, ainda que construtiva. As palavras doces e mansas que bajulam, em vez de exigirem as amargas e duras que ensinam.

Já dizia Santo Agostinho: "Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me adulam, porque me corrompem."

A verdade é exigida por todos, menos quando ela não nos agrada.

A verdade é aceita quando sabemos coisas dos outros. Não quando falam de nós. Aceitar os próprios defeitos não é qualidade de muitos. Aceitar ouvi-los, então, é raridade.

Saber receber, entender e compreender as opiniões desfavoráveis é o caminho da sabedoria.

O estelionatário é um criminoso que fala o que a vitima quer ouvir. Promete o que a vitima já sonhou possuir. Oferece até o que nunca foi sonhado. O estelionatário pode ser sorridente, mas é sempre ardiloso, bondoso, simpático. Ele valoriza a vítima até embriagá-la com seus elogios e palavras doces, senão tolas. Os tolos, diga-se de passagem, são atraídos pelo canto da sereia. A voz suave o ilude e depois o abandona.
E é nessa artimanha orquestrada nos mínimos detalhes que o estelionatário faz sua vítima. E ele vai embora sem culpa. Afinal, a culpa é da vitima. A culpa moral, pela ganância. A culpa pela ignorância. A culpa por confiar no que é suspeito. A culpa pela arrogância e a credulidade.

Voltando ao início deste artigo, afirmo que não gosto do sorridente, do excesso de simpatia. Prefiro as pessoas carrancudas. Confio mais nestas. Não é à-toa que na parede de minha sala de trabalho escrevi que "Prefiro ter inimigos a ter falsos amigos, pois naqueles eu possa confiar". Ou seja, prefiro que alguém me diga que não gosta de mim, a tê-lo fazendo de conta que nutre alguma simpatia por minha pessoa. Porque a falsidade é abominável. Porque de um inimigo tudo espero, mas do falso, não. Não estamos preparados para armadilhas dos falsos.

Nem todo carrancudo, porém, é sinônimo de verdadeiro e de pessoa de boa índole.
Mas, na minha opinião, por tudo que provei durante a minha vida, leva-me a afirmar que as chances de ser traído e enganado por um sorridente é muito maior que ser vítima de um carrancudo.

Este artigo não é um desabafo. É apenas uma constatação a partir de minhas observações e experiências vividas. É um alerta aos incautos que transitam e se relacionam nas redes sociais, no mundo virtual ou real.

E deixo um pensamento que encontrei hoje em minhas leituras na internet: "A raposa condena a armadilha, e não a si mesma." (Blake)

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