Hoje, vou poetizar!

Por Clarice Pires Pacheco

Crônicas da vizinhança! Escutando e aprendendo...

Gosto de ouvir as pessoas!
É uma característica minha. Até suspiro quando começam a falar e me dão uma folga de mim mesma.
É como um tempo de ir pra dentro, deixar de produzir e relaxar.
Muita coisa eu aprendi, ouvindo, guardei comigo, e, tirando dos bolsos da minha memória, usei nas lides do meu dia-a-dia.

Outro dia mesmo, escutando alguém, essa pessoa comentou algo muito interessante sobre uma frase bastante conhecida de Fernando Pessoa, quando ele diz que “navegar é preciso, viver não é preciso”.
Eu, que até então achava que o “preciso” da frase significava “necessidade”, fiquei extasiada ao saber que na verdade o poeta fala de precisão, ou exatidão. Ou seja, navegar para os portugueses, com seus mapas e o céu para ajudar era uma coisa exata. Já o viver, este não! Viver era uma coisa incerta, sem garantias, sem mapas ou o céu como parceria.

Escutar é aprender, pois, pois...!!??
Assim, é ainda nesta mesma linha de pensamento que, ontem, saindo de casa, fui chamada para conversar, por uma vizinha de oitenta e tantos anos, a D. Maria.
Parei, a princípio, já pensando nas tantas coisas que tinha a fazer, e meio que me afastei sorrindo e  cumprimentando-a, mas ela insistentemente me seguiu falando e falando e, mais pela mão que segurava com autoridade o meu braço, eu capitulei e parei...!

Naquele momento, eu era dela..., e como ela me lembrava minha mãe, e minha mãe não era nada fácil na disciplina, algo freudiano me fez obedecê-la.
Pequenina, gordinha, com um sorriso inteiro que fazia brilhar os olhos pequenos, um rosto bastante enrugado com as marcas do viver, ela me falou de vida; não de uma vida qualquer, mas da que é levada lentamente, passo a passo.
E pelo que ela disse, não deduzi que este jeito de levar a vida era porque ela fosse preciosa. Não, não foi isso que ela me passou! Era porque era o único jeito que ela conhecia ou podia fazer. Um passo a passo, talvez pelo peso das coisas... sei lá..., foi o que entendi.

Primeiro, ela me contou das dores e das perdas...
Cristo... coisas que derrubariam um gigante, ela contava como quem está lendo um livro qualquer, uma história que outro alguém viveu ou escreveu. Perdera o marido e o genro, há menos de um ano, que havia se suicidado por depressão. Coisa que ela não entendia ainda. Porque como me disse, isso é falta de Deus!!!
Só no momento em que lembrou o marido ela chorou. Disse que ele  morrera moço, “por não se cuidar direito”. Mas fala que viveram um amor calmo e feito de parceria e que, por isso mesmo, não quer "arranjar ninguém”. Porque homem, mesmo, ela já teve...!

O estranho é que, falando sobre essas coisas, ela não me passou quaisquer amarguras ou ressentimentos pelas rasteiras que a vida lhe deu. Antes, falou como quem conta uma história, uma coisa passada e bem passada.
A partir daí, abre a bolsa e começa a tirar de dentro dela muitas fotos da família. Uma alegria quando descrevia cada um. Gente muito bonita e bem arrumada, devo dizer!
Coisa forte isso... Um relato de  quem já viu de tudo e, inusitadamente, ainda espera com alegria pelo dia que nasce para viver um pouco mais!

Mudando de assunto e falando “pelos cotovelos”*, disse que visita as amigas e dança toda quinta-feira, no salão da igreja católica local, onde se reúnem os da terceira idade, vindos em caravanas de vários lugares do estado.
E,PASME... de vez em quando, ela acha “um pão" entre eles.
Quem é mais velho - velho que eu digo é maduro, dos idos da jovem guarda -, sabe que a palavra pão era usada para designar um homem bonito e bem apessoado.
Apessoado é termo antigo mesmo...! Credo!

Nesta parte do bailão, juro que me veio uma inveja danada!
Lembrei-me das dancinhas da minha adolescência em Imbituba, quando eu ainda tinha no olhar o brilho da aventura, igualzinho ao que ela tem, agora.
Cada coisa contada vinha seguida por um sorrisinho maroto, delicioso, de quem ainda faz das suas travessuras.
Quieta eu fiquei e juro, não falei... NADA!! E olha que adoro uma palavrinha...
Na verdade, eu queria mesmo que ela não parrasse de falar nunca!
Gostoso aquilo! Sentir uma completitude humana baseada no que foi vivido, de bom e de mal..., tudo misturado.

Pois não é que esta mulherzinha me ensinou uma matéria que não constava em nenhum dos muitos cursos que fiz?
Numa pós-graduação intensiva, ela me deu gratuitamente uma grande lição - a de viver cada momento, em cada coisa que se nos acontece, a de não resmungar contra a vida, mas ir, caminhando no passo que se possa, não perdendo nunca a visão de ser feliz, simplesmente!

Pensando depois sobre tudo, lembrei que ela representava exatamente o personagem descrito por Fernando Sabino, em seu livro "O encontro marcado”, quando ele diz: "...de tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ela estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompida antes de terminar. Ela fez da interrupção um caminho novo. Da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro...”

Mulherzinha sabida esta! Ainda bem que ela passou no meu caminho... e eu parei!!

*Falar pelos cotovelos: a mais antiga origem desta expressão veio, possivelmente, ou do costume que os falantes tem de gesticular muito com os braços e cotovelos, encurtando-os, esticando-os, levantando-os ou baixando-os; ou de tocar com os cotovelos o interlocutor para obter sua atenção; ou tem relação com o fato de que, no sertão nordestino, as mulheres, após brigarem com os maridos, costumam cutucá-los na cama com o cotovelo, para tentar uma possível reconciliação (Disponível em Yahoo Answers)

Nenhum comentário:

Seu comentário não será exibido imediatamente.

Para você enviar um comentário é necessário ter uma conta do Google.
Ex.: escreva seu comentário, escolha "Conta do Google" e clique em "postar comentário".

Caso você deseje saber se seu comentário foi respondido ou se outros leitores fizeram comentários no mesmo artigo, você poderá receber notificação por email. Para tanto, você deverá estar logado em sua conta e clicar em Inscrever-se por email, logo abaixo da caixa de comentários.

Eu me reservo ao direito de não aceitar ou de excluir parte de comentários que sejam ofensivos, discriminatórios ou cujos teores sejam suspeitos de não apresentar veracidade, ainda que o autor se identifique.

Comentários que não tenham qualquer relação com a postagem não serão publicados.

O comentarista não poderá deletar seu comentário publicado sem que haja justificativa relevante. Caso proceda assim, republicarei o teor deletado.


As regras para comentar neste blog poderão ser alteradas a critério do editor, o qual também poderá deletar qualquer comentário publicado, mediante justificativa relevante, sem prévio comunicado aos leitores/comentaristas.

Você assumirá a responsabilidade pelo teor de seu comentário.
Este espaço é livre e democrático, mas exerça sua liberdade com responsabilidade e bom senso!

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
Copyright © 2012 Pena Digital.