IEP x pescadores: desenvolvimento econômico x direito social

Mais uma vez, volto ao tema.
A construção de um terminal portuário na Praia do Porto tem trazido a angústia para uma parte da população - os pescadores artesanais - que será atingida diretamente pelo empreendimento, como também gerado a solidariedade de outra parte dos imbitubenses para com aqueles.

Por outro lado, muitos também acreditam que o novo terminal será provedor de mais empregos para a cidade, que diante de tantas notícias alvissareiras na imprensa estadual e nacional, recebe a cada dia mais desempregados de outras regiões.
No meio desse embate, o Judiciário!

O juiz e o promotor de justiça não podem ficar sentados em suas salas olhando apenas as folhas dos processos para suas manifestações. Há casos - vários casos - que eles precisam fazer inspeção in loco, para poderem visualizar as nuances do caso, sentirem o cheiro da verdade, ouvirem diretamente de cada parte os seus lamentos e argumentos.

E foi bem isso que fez a juíza Naiara Brancher. Em março deste ano, foi até a Praia do Porto para ver de perto os "ranchos" instalados naquela orla, os quais são alvo de ações da IEP-Imbituba Empreendidmentos e Participações, que pretende a reintegração de posse da área que abriga essas edificações.
A IEP solicitou liminarmente sua pretensão, ou seja, a retirada dos "ranchos" da área que é de sua propriedade.
Com a inspeção realizada pela juíza, somente algumas liminares foram concedidas, pois ela verificou e entendeu que várias famílias utilizam os ranchos para seu sustento e/ou moradia. E o trabalho e a moradia, asseverou a magistrada, estão protegidos pela nossa Constituição Federal.

Destaco alguns trechos de uma das decisões que não concedeu a liminar (a IEP ofereceu embargos à decisão):
"Muitas vezes, o caderno processual, embora provido de belas e bem colocadas palavras, não se mostra digno a refletir a realidade da lide, o clamor pessoal que a envolve e as demais questões que rodeiam a triangulação processual.

Essa, digamos, lacuna existente entre a realidade dos autos e a realidade da lide propriamente dita pode ser suprida pelos mecanismos conferidos ao togado que, encarregado pelo impulso oficial do processo, tem em mãos a possibilidade, senão o dever, de determinar a realização de provas que o auxiliarão na justa e, em decorrência disso, correta decisão."

"Tais prerrogativas viabilizam a aproximação da realidade contida no instrumento processual com a realidade fática, socorrendo o magistrado na devida e efetiva prestação jurisdicional.

Não é descabido dizer que as inspeções judiciais realizadas em cerca de 40 (quarenta) barracões localizados na Praia do Porto me possibilitaram ver, ouvir e sentir o âmago das questões que envolvem os, aproximadamente, 40 (quarenta) processos em que a ora autora pretende ser reintegrada na posse da área litigiosa, para que possa iniciar as obras de ampliação do porto desta comarca. Também não me é demais ter que a diligência realizada era necessária para a análise da liminar pleiteada pela autora, já que a pretensão, em caso de concessão, pode se tornar irreversível e causar os mais diversos prejuízos ao lesado.

Os primeiros passos dados na diligência ocorrida no dia 09/03/2012, apesar de acompanhados, primeiramente, por olhares de desconfiança, foram seguidos por desabafos de pessoas que estavam presentes no local, alguns diretamente envolvidos e outros não, que, com os olhos repletos de lágrimas, expuseram toda sua indignação sobre o que acontecia e seu receio sobre o que poderia vir a acontecer.

Soube com os moradores do local, por exemplo, que a maré, há vários anos, chegava onde hoje ficam alguns barracões, mas, em função das diversas obras no Porto de Imbituba, o mar se afastou."
"Em uma manhã conturbada e uma tarde mais tranquila de trabalho, pude constatar 4 (quatro) tipos de posseiros nos imóveis em que a autora pretende a reintegração na posse: 1) o morador/pescador, que faz do imóvel a sua residência, conciliando-a com o local em que efetua as preparações para seu labor; 2) o pescador que utiliza o imóvel apenas como rancho de pesca, não residindo no local; 3) o morador que, apesar1 de não ser pescador, reside no local; e, por fim, 4) o veranista, que utiliza-se do imóvel apenas para fins de lazer, podendo até, eventualmente, exercer a pesca como hobby."
"Inicialmente, não se olvida o fato de que, como ressaltado pela demandante e também verificado na inspeção, em tempos pretéritos, a área de marinha na qual a autora detêm a ocupação por escritura pública foi concedida em comodato para que pescadores construíssem barracões destinados ao armazenamento de barcos de pesca, barracões esses conhecidos como "ranchos de pesca".

Por outro lado, porém não menos importante, não se pode desconsiderar o descaso da autora e dos anteriores detentores da posse na guarda da área que lhe foi cedida, pertencente à União, vez que, como verificado na diligência, há famílias que encontram-se no local por mais de 20 (vinte) anos."

"De outro norte, é de conhecimento deste juízo, também, o Projeto Terminal Privativo de Imbituba – TPI, segundo o qual denota-se que os serviços de ampliação do porto poderão gerar um grande desenvolvimento econômico e social na região, com expectativa de empregos aos locais com patamares consideráveis – como pode-se verificar, nos autos, na "Ata de Reunião sobre o projeto de ampliação do Porto de Imbituba", que acompanha o auto de inspeção –, situação esta que também deve ser levada em conta."

"Deste modo, em relação aos habitantes do local que conciliam sua residência com o lugar em que realizam os preparativos para a atividade pesqueira, bem como para aqueles que apenas moram no local, sem desenvolver a pesca, neste ato tratados, respectivamente como "morador/pescador" e "morador", tenho que, em primeiros olhos, o seu direito de moradia deve preponderar sobre eventual direito de reintegração de posse da autora.

Isso porque não me afigura legítimo deixar ao desamparo jurisdicional um direito que abrange um número considerável de famílias que, por um descaso daqueles para o qual foi cedida, por escritura pública, o direito de ocupação sobre a área, vieram a constituir seus lares no local.

A concessão de liminar de reintegração de posse na área tornar-se-ia uma real afronta ao preceito constitucional que considera como um direito social a moradia (art. 6º, CR), já que viria a deixar sem teto muitas famílias do local, deixando-os às margens da sociedade."

"Por que não condicionar, então, a concessão de liminar de reintegração de posse ao efetivo início do projeto de casas populares àqueles que serão afetados pela decisão- Seria um pensamento utópico - Creio que não.

Das casas que servem de moradia, pelas fotografias tiradas durante a inspeção judicial, tem-se que são casas extremamente simples, sendo, que, disponibilizar outras de semelhantes condições não elevaria o custeio do empreendimento de maneira insustentável."

"A questão cultural da pesca também está entorno desta lide e, considerando que o Estado deve garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais (art. 215, CR), esta também deve ser observada, de maneira que qualquer medida que possa vir a ser tomada não sirva de conluio a um eventual início da extinção da atividade pesqueira no município.

Não se olvida a existência, na cidade, de grande extensão litorânea, porém a inspeção judicial também me ajudou a entender, por informações obtidas no local, que a área em que a autora pretende ser reintegrada na posse é propícia à atividade da pesca artesanal, porquanto o molhe do Porto de Imbituba protege as pequenas embarcações, criando uma baía, facilitando a saída para o mar."

"Como bem ressaltado pelo Procurador da República, o Excelentíssimo Sr. Michel von Mühlen de Barros Gonçalves, em parecer que instrui os autos, "[...] sem possibilitar aos pescadores, que hoje fazem uso do recurso natural no canto sul da Praia do Porto, condições próximas e seguras de atracação, fundeio, navegação, descarga e pesca, resta impossibilitada a realocação dos ranchos de pesca e, por consequência, a implantação do empreendimento"."

"Importante salientar que todos os pescadores que estavam no local durante a inspeção judicial manifestaram a CONCORDÂNCIA com a desocupação da área, com a única ressalva de lhe serem asseguradas condições de continuar exercendo seu ofício. Além disso, não se mostraram alienados com o possível desenvolvimento regional que a ampliação do Porto de Imbituba pode gerar, sendo que, ingenuamente, manifestaram-se no sentido de que não querem servir de óbice a isso.

Deste modo, em uma primeira visão, verifico que esse remanejamento, que deve observar tudo o que foi exposto acima, deve ser visto como pressuposto para a instalação do terminal, sem o qual não se fará possível os inícios das obras e, mais além, não se fará viável a reintegração liminar e, talvez, definitiva, em favor da autora, já que prejudica questões sociais que devem ser observadas."
É evidente que todo o empreendimento que prometa trazer desenvolvimento a nossa cidade será bem-vindo, pois gerará emprego e renda. Contudo, não se pode permitir que esse mesmo empreendimento, em contrapartida, nos tire a qualidade de vida e o trabalho de outros imbitubenses, principalmente quando esse trabalho é o único que eles sabem realizar. O desenvolvimento deve ser sustentável.

Parabéns à juíza Naiara Brancher! Este é o Judiciário pelo qual a sociedade anseia. Um Judiciário que faça justiça! Sua percepção social no caso em tela é digna de louvor.

Para ler toda a decisão judicial, clique aqui.
Leia o último artigo publicado neste blog sobre este tema (Entrevista com Rodrigo Maurício Francisco).

(Atualizado em 04/06/12: foi acrescentado o parágrafo que está em negrito, pois por problemas na edição não foi incluído. Só hoje constatei a ausência e entendo ser importante a inclusão, para aqueles que não queiram ler toda a decisão) 


2 comentários:

  1. Pena, parabéns pelo artigo.
    Acredito que o tema que você trouxe à lume atualmente vem sendo utilizado como bandeira por alguns políticos do município que, sem conhecimento de causa, fazem discursos inflamados em defesa dos pescadores artesanais una e exclusivamente para auferirem dividendos políticos.
    A questão é séria e somente uma análise in loco pode atestar a dimensão do problema. Parabéns à juíza Naiara Brancher.
    Confesso que não tenho opinião formada sobre o assunto, até por que muitas são as perguntas que continuam, pelo menos para mim, sem respostas.
    1) Quem é a IEP?
    2) Qual é o vínculo que a IEP tem com a CDI?
    3)A IEP não era subsidiária integral da CDI e foi repassada à Multinvest ltda?
    4) O referido repasse na ordem de 3,4 milhões não foi questionado pelo procurador da República, Celso Três, haja vista que, segundo o mesmo, jamais houve pagamento nessas transações comerciais?
    5)"Foi concedida em comodato para que pescadores construíssem barracões destinados ao armazenamento de barcos de pesca, barracões esses conhecidos como "ranchos de pesca". E por que permitiram outros tipos de ocupação?
    6) O que os ex-prefeitos têm a dizer a respeito do assunto?
    7) Qual é a opinião do atual prefeito sobre o assunto?

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  2. Claro que não vai ser em todo processo que os juízes e promotores vão sair por aí averiguando. Mais só pra você saber , aconteceu um caso semelhante em Imaruí, onde um caminho antigo em um morro na localidade de Cangueri, a juíza de lá foi também in-loco fazer sua análise... E é lógico, foi de salto alto e tudo, até porque é uma forma de boa apresentação e bem estar das mulheres. Com a sua ida no local, e ainda caiu uma chuvinha, em poucos dias ela decidiu e concluiu que e o caminho é de suma importância para os proprietários dos demais terrenos. Estão de parabéns a Juiza de Imbituba Dra. Naiara e a Juiza de Imarui. Mais é isso, as mulheres mostrando porque a cada dia estão galgando cargos de extrema importância no mundo.

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