Separação ou divórcio: sair ou não de casa?

Leitor, não desejo que este blog fique restrito aos problemas paroquiais de nossa cidade, mas seja uma fonte de conhecimento para quem o procura.

Em 2010, publiquei um artigo em que citei a polêmica Lei Maria da Penha, na qual, na minha opinião, os legisladores não tomaram o cuidado de incluir mecanismos que visem à conciliação e a paz nos lares brasileiros, tampouco se exigiu uma resposta social do Estado.

Publico abaixo algumas considerações específicas sobre tema relacionado a essa mesma legislação. O artigo é de autoria de Antônio Márcio Campos Neves*, Delegado de Polícia da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso, de Criciúma-SC:
Ao ler o artigo elaborado pelo Dr. Elias Guilherme Trevisol intitulado "Se divorciar ou separar, não saia de casa!", gostaria de fazer algumas considerações de ordem prática (do ponto de vista penal), mais especificamente aos casos de "abandono do lar" em razão de violência familiar contra a mulher, nos termos do que dispõe a Lei Maria da Penha Maia Fernandes, para não gerar alguns problemas como de fato vem acontecendo na Delegacia de Proteção à Mulher envolvendo o tema defendido pelo advogado.

Em casos de agressões e ameaças de morte por parte do marido, por questão de segurança da vítima, quando não se trata de situação flagrancial (pois nesse caso muito provavelmente o agressor é encaminhado ao presídio local), muitas vezes a Polícia Civil orienta que ela não retorne ao lar conjugal, ou seja, "abandone o lar", a fim de retirá-la (ou pelo menos tentar diminuir) da situação de risco (possibilidade do cumprimento da ameaça e novas agressões) até que o juiz determine o afastamento do agressor.

É que para o Estado afastar alguém do domicílio (imóvel familiar) compulsoriamente é necessário um mandado judicial. E ele, muitas vezes "demora para sair".

E não é justo que o marido/cônjuge depois da prática do crime ainda expulse a mulher de casa e continue ele a desfrutar do aconchego do lar simplesmente porque está protegido pela inviolabilidade de domicílio, o qual é um direito fundamental (art. 5º, inc. XI, CRFB). Até porque, em muitos casos, a vítima está acompanhada de crianças e adolescentes e por isso é razoável que o agressor saia da casa até que se resolva o divórcio.

Se a situação não é de prisão em flagrante, a polícia não tem como ingressar no domicílio e retirar o agressor "à força", como de fato querem as vítimas (algumas até exigem). Para tal, é preciso ordem judicial e para se obter uma se faz necessário a produção de provas mínimas, as quais serão produzidas por um Inquérito Policial (art. 41, da Lei 11.340/06).

Pela lei, salvo aquelas situações mais graves (tentativa de homicídio, por exemplo), leva-se pelo menos quatro dias para se obter uma medida protetiva de urgência (48 horas para encaminhamento por parte do Delegado de Polícia e 48 horas para a decisão judicial (arts. 12, inc. III, e 18, caput, da Lei 11.340/06). Na prática demora muito mais!

Algumas mulheres que chegam nessa unidade relatam a situação de agressão em casa e ainda amedrontadas afirmam que se retornarem serão mortas. Após os procedimentos de praxe, orientamos que ela não retorne para casa a fim de que a promessa (ameaça de morte) não seja cumprida. E é justamente nesse momento que elas argumentam que não vão sair do imóvel sob o argumento de que vão "perder direitos".

É importante esclarecer o leitor que os belos e esclarecedores argumentos do nobre Advogado, apesar de estarem corretos, comporta uma exceção importante. Estamos nos referindo ao teor da norma contida no artigo 23, incisos II e III, da Lei 11.340/06, o qual está inserido no capítulo que trata das medidas protetivas de urgência à ofendida. Vejamos:

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

Ora, o inciso II fala em "recondução" e, portanto, ela "abandonou o lar" em razão das agressões. Assim, a orientação feita pela polícia para que ela encontre proteção em casas de parentes ou até mesmo fique sob a custódia do Estado na Casa Abrigo - que em Criciúma/SC é sem dúvida uma das melhores do Brasil - até que a decisão judicial de afastamento do agressor seja proferida está correta.

E mais: se o juiz entender que não é caso de ordenar que a vítima retorne ao imóvel por questões de segurança, por exemplo, ele pode, com fundamento no inciso III, determinar que a vítima "abandone o lar conjugal". E em razão disso ela não terá qualquer prejuízo em relação ao imóvel. Ou seja, a autoridade judicial vai determinar o afastamento do lar por parte da vítima, "sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos".

Ninguém é obrigado a manter um relacionamento amoroso (casamento ou união estável) com quem quer que seja e muito menos ter que morar no mesmo teto apanhando e sendo ameaçado (a) para que não seja acusado(a) de abandono de lar e perder o direito em relação ao imóvel.

Portanto, se o caso envolver violência familiar contra a mulher, e a vítima quiser o divórcio, caso deseje, "SAIA DE CASA" tranquilamente, pois não terá nenhum prejuízo relativo ao imóvel. Esse direito está garantido na Lei Maria da Penha (art. 23, inc. III).
 *Outros artigos publicados por este autor:

-A inconstitucionalidade da lavratura "conveniente" de termo circunstanciado por parte da Polícia Militar no Estado de Santa Catarina

-A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal e a sua repercussão no seio policial

Um comentário:

  1. É isso! Sem problemas. Já dizia minha avó, "quando dois não que não se ajunta"!

    Inté abração! Feliz ani!

    ResponderExcluir

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