"Todo mundo erra" e "ninguém é santo". Você já ouviu e talvez já tenha dito uma dessas frases. Mas até que ponto aceitamos essas afirmações com coerência? E quando se diz que "ninguém é santo", isso inclui você.
Eu não sei como iniciar este artigo. Pode ser que os pensamentos não fiquem organizados. Vou apenas escrever.
A corrupção tomou conta do país, mas quem continua indo para as cadeias são os mesmos indivíduos de sempre. A sociedade se mostra intolerável à corrupção, mas silencia diante da segunda situação, sem sequer analisar a possibilidade de que as duas situações possam ter relação entre si.
A sociedade se mostra intolerante com a violência, porém, é atraída por ela. São as notícias policiais que mais são lidas nos jornais. São os programas televisivos sobre esse tema, com imagens reais e ao vivo que estão no topo da audiência. Tudo isso demonstra a hipocrisia da sociedade, que, se depender dela, é favorável ao linchamento, à prisão por qualquer motivo, à violência policial, à redução da maioridade penal e à pena de morte.
Apesar dessas manifestações favoráveis, a sociedade, paradoxalmente, reclama, em um só coro, que somente os pobres, os negros e os desgraçados vão para a cadeia. Ora, o sistema penal funciona assim, com o apoio da sociedade. E se fosse totalmente influenciado pela opinião pública - graças a Deus que não é -, não haveria o devido processo legal. Tudo deveria ser sumariamente sentenciado. E muitas vezes é. Basta ver os noticiários.
Não é compreensível que o cidadão continue a votar em um político condenado por se apropriar de dinheiro público, mas é favorável que a polícia, numa prisão em flagrante por furto simples, aja como acusador e juiz. É favorável que a polícia faça uso de toda a violência possível contra o indivíduo.
Se violência policial resolvesse o problema da criminalidade, o Brasil seria um dos países mais seguros do planeta, haja vista que possui uma das polícias mais violentas, conforme dados da ONU, que pediu ao Brasil a extinção da Polícia Militar e a criação de uma só polícia: civil!
Para se ter uma ideia da violência policial no Brasil, "Em cinco anos, a PM do Estado de São Paulo matou quase nove vezes mais do que a polícia norte-americana." Entre "2006 a 2010, 2.262 pessoas foram mortas após supostos confrontos com PMs paulistas. Nos EUA, no mesmo período, conforme dados do FBI, foram 1.963 "homicídios justificados", o equivalente às resistências seguidas de morte registradas em São Paulo”.
"Analisando as taxas de mortos por 100 mil habitantes, índice que geralmente é usado para aferir a criminalidade e comparar crimes em regiões diferentes, constata-se que no Estado de São Paulo, com população de 41 milhões de habitantes, a taxa é de 5,51. Já nos EUA, onde há 313 milhões, a taxa é de 0,63." (Fonte:
Folha de São Paulo, divulgado em julho de 2012)
De acordo com pesquisa realizada recentemente pelo Instituto Avante Brasil, o país está em 18º lugar na violência mundial, atrás até da Etiópia.
Segundo
Luiz Flávio Gomes, vice-presidente dessa entidade, "Não existe relação direta entre a miséria e a violência (há países miseráveis com baixo índice de violência não institucional e países ricos com alto índice de violência – caso dos EUA). A mesma coisa não se pode afirmar sobre a desigualdade, que gera sensação de injustiça, privilégios para as classes de cima, desgraça para as classes de baixo, funcionamento injusto da Justiça, má distribuição da riqueza, sensação de desequilíbrio etc."
Mas o que contribui para que um país seja menos violento? Conclui, então, Luiz Flávio Gomes:
"Os 20 países com as menores taxas de homicídio estão em sua maioria na Europa e na Ásia: Palau (52º no IDH), Hong Kong (13º no IDH), Cingapura (18º no IDH), Islândia (13º no IDH), Japão (10º no IDH), Brunei Darrusalam (30º no IDH), Noruega (1º no IDH), Áustria (18º no IDH), Eslovênia (21º no IDH), Omã (84º no IDH), Suíça (9º no IDH), Emirados Árabes (41º no IDH), Espanha (23º no IDH), Alemanha (5º no IDH), Estados Federados da Micronésia (117º no IDH), Vanuatu (124º), Qatar (36º no IDH), Nova Zelândia (6º no IDH), Dinamarca (15º no IDH), respectivamente." (IDH - Índice de Desenvolvimento Humano)
Ou seja, leitor, o Brasil possui um dos piores IDHs do planeta, estando posicionado em 85º lugar. Logo, pode-se ver que a violência é causada pela falta de infraestrutura patrocinada pelos governos.
Temos um sistema de saúde que não atende bem à população.
Temos um dos piores sistemas educacionais. "Um relatório do Fórum Econômico Mundial, aponta o Brasil como um dos piores países do mundo nos ensinos de matemática e ciências. Entre 144 nações avaliadas, o país aparece na 132ª posição, atrás de Venezuela, Colômbia, Camboja e Etiópia.
Outro dado alarmante é a situação do sistema educacional, que alcança o 116º lugar no ranking - atrás de Etiópia, Gana, Índia e Cazaquistão. Os dois indicadores regrediram em relação à edição 2012 do relatório, em que estavam nas 127ª e 115ª posições, respectivamente." (fonte:
Veja)
O Judiciário está abarrotado de processos não é por acaso. Se o Estado se omite em suas obrigações sociais, a população fica desprotegida, embora pague a maior carga tributária do mundo.
E o Judiciário também participa disso, ao não oferecer fácil acesso à Justiça para as classes menos favorecidas, as mais violentadas pelo Estado e pela sociedade. E isso gera violência.
As classes mais pobres não são atendidas pela Justiça, mas, sim, pela polícia. Razão pela qual as prisões estão lotadas.
É incompreensível que quase todos entendam o conceito de legítima defesa que autoriza até o homicídio, quando a vítima luta por sua vida, mas não aceita, em hipótese alguma, o furto famélico. Ora, se um indivíduo está faminto, ele luta também por sua própria vida e não somente para matar a fome. Claro que a vítima poderá acionar a polícia, mas não precisa usar de força excessiva para deter o "ladrão". Muito menos levá-lo ao linchamento físico ou moral. Muito menos pode-se autorizar toda a violência, quando se trata apenas de tentativa de furto.
E o que dizer quando esses furtos famélicos são praticados por dependentes químicos? Simplesmente dizer que o indivíduo deve trabalhar, em vez de furtar, não parece que tal afirmativa está amparada na lógica, quando vivemos num mundo ilógico.
Não me parece lúcida a ideia de exigir que um viciado em crack consiga, de um dia para o outro, abandonar o vício e voltar à escola ou ir em busca de trabalho. A droga para ele é uma necessidade vital, assim como matar a fome e a sede. Crack e trabalho, crack e escola se repelem. É uma consequência da dependência. O problema é muito mais de saúde pública que de polícia.
Mas por que o indivíduo procurou o crack? Não há uma resposta simples. E antes de você querer respondê-la, mantenha contato com um dependente químico e pergunte a ele, porque é ele quem detém a resposta, não você.
Para você, para nós, talvez muitas outras respostas sejam fáceis, quando o problema é vivenciado pelos outros.
De nada adianta endurecer as penas, pois servirão apenas para o mesmo público alvo. Apoiar a violência policial é uma política social inconsequente, que não resolve o problema da criminalidade, nem sequer ameniza. Ao contrário, haverá reação, como se vê todos os dias.
A opressão de classes nunca levou nenhum país ao bem estar social e ao crescimento econômico.
Devemos exigir um Estado Social máximo e um Estado Penal mínimo.
Depois do julgamento dos mensaleiros, é moralmente difícil justificar a prisão de alguém no Brasil.
A sociedade é hipócrita ao se manifestar pela não violência, pois admite que o Estado, através da polícia e do próprio Ministério Público e Judiciário trancafie pequenos desgraçados e liberem os maiores ladrões da Nação! É hipócrita ao se vestir de branco em passeatas pela não violência, apenas quando a vítima é seu filho, um indivíduo de classe média. É hipócrita ao se manifestar nas redes sociais pela não violência, mas deseja que a polícia torture, ou mate, se houver oportunidade. É hipócrita ao fechar os olhos ou negar a violência que pratica no dia-a-dia, no local de trabalho, na vida social ou até mesmo no seio familiar. É hipócrita ao ver criminalidade apenas nos atos dos outros.
Definitivamente, a voz do povo não é a voz de Deus!
Mas tudo isso tem a ver com a escolaridade e a mentalidade do povo. Quando o nível da primeira vem atrás da Etiópia, Gana, India, a segunda nunca vai mudar. Aos políticos nao interessa um povo instruído pois nunca mais seriam eleitos e povo burro ("brasileiro nao sabe votar", lembram-se?) acredita, admira e só vota em canalha. É como o cachorro que roda, roda, roda para morder o próprio rabo, só pára quando cansa. Quem será o primeiro a cansar, o povo brasileiro ou os "berlusconis" tupiniquins?
ResponderExcluirMaglu, ontem eu cobrava uma postura de um indivíduo que cometeu um ato ilegal. E disse a ele que o cidadão reclama dos políticos corruptos, mas é tão corrupto quanto ele, guardadas as devidas proporções. A resposta veio no seguinte tom: "eles é que têm que dar exemplo!"
ExcluirE assim vamos vivendo em meio a tudo isso...
O final resume tudo. Parabéns.
ResponderExcluirTotti, com referência à ultima frase, o povo grita: "soltem Barrabás!"
ExcluirAcredito que o povo não precisa ter escolaridade para ter mentalidade para discernir as coisas. Basta ter caráter e não ser hipócrita. E para isso basta lutarmos pelo que é justo. Jamais é justo que a polícia use linchamento físico ou moral, como citado. Infelizmente vemos os jovens que iniciam a carreira policial viciados nos atos dos colegas de farda. Rogo para que possamos ter um a geração futura que faça a diferença. Agradeço pelos excelentes textos do Blog Pena.
ResponderExcluirMaris, você tocou num ponto essencial: "iniciam a carreira policial viciados nos atos dos colegas de farda". O problema é que o treinamento na Polícia Militar prepara o policial para uma guerra e não para atender bem os cidadãos. Por isso que até numa simples abordagem de trânsito há tanta truculência. Pode-se treinar uma pessoa para agir dentro da legalidade, como para atuar fora dela; a escolha é da instituição à qual pertence.
ExcluirCom todo respeito...Se voce que já foi roubado, torturado, ameaçado por um marginal, ainda assim não for a favor de uma dura pena a esses vagabundos, então parece que voces estão prontos para o paraíso.
ResponderExcluirShaday, acredito que você não compreendeu o que escrevi.
Excluiralguém aí sabe qual a rotina de um policial militar??? especulações não servem de nada...quando alguém aí sentar sua bunda nojenta dentro duma viatura caindo aos pedaços, sendo coagido todo dia pelos seus superiores e ainda assim trabalhar 12 horas turno, sem contar escala extra, e ainda assim trabalhar dando risada...aí sim merece falar aqui...do contrário calem-se.
ResponderExcluirSei bem qual a situação dos policiais militares em meu estado.
ExcluirPelo seu comentário, a falta de condições de trabalho, culpa do Estado, deve ser descontada nos indivíduos, ora contribuintes de alguma forma?
Por isso que sou a favor da desmilitarização da Polícia Militar e da PEC 51.