"Fui candidato"

Li, gostei e repasso aos leitores uma crônica publicada ontem, no Diário Catarinense, de autoria do escritor e jornalista Sérgio da Costa Ramos.

Gosto muito das crônicas de Sérgio Ramos. É um colunista que sabe usar com maestria as palavras, como também possui um excelente vocabulário. Eu o invejo. 

Vamos ao texto:

Fui candidato

Desejei sinceramente enxugar o suor do operário, sarar a mão do agricultor, adubar o salário do professor, consolar os famintos e os sem-teto, distribuir água, emprego, cartão de crédito, mulher bonita e estacionamento pra todo mundo.

Cheguei a me sentir um Moisés de barba feita, no cume do Sinai, Escrituras na mão, amor no coração, pronto para guiar meu povo à terra de Canaã.

Tinha mesmo a intenção de servir ao meu povo, ao invés de me servir dele, ao contrário do irônico Voltaire, para quem “La politique est l’art de servir des gens”. Preparei-me para apertar milhares de mãos. Mãos feridas, mãos mutilidas pelo trablho honesto. Avisei o fígado: deves tolerar aguardente, conhaque, vermute, rabo-de-galo, vinho Uru e Sangue de Boi.

Tomaria cicuta pelo meu povo. Dilatei o estômago para acomodar peixadas, churrascadas, dobradinhas, mocotós, rabadas, pés de porco, sopas de brodo. Para compensar a comezaina, depurei o espírito. Entoei salmos, ajudei a missas, desci a terreiros, tomei a bênção de pretos velhos.

Fiz também um intensivo de canalhices. Aprendi a ser malandro, finório, ladino, manhoso, astuto, sagaz, espertalhão. Aprendi a privatizar lucros e a socializar prejuízos.

Estava pronto, prontinho. Filiei-me a um partido de aluguel, incuti-me de paciência tibetana para suportar o fel da calúnia, o cálice da traição, os vergões da difamação. Caminhei sobre brasas para controlar a dor e a angústia.

Faltava saltar o último obstáculo. Custear a campanha, comprar os cabos eleitorais do inimigo, defender meu terreno contra o esbulho dos outros candidatos.

Minha candidatura foi definhando, um pouco por falta de fé, outro tanto por falta de fundos. Faltavam os “recursos de campanha não contabilizados”. Os empresários – esses esganados – não quiseram me franquear uma mísera verbinha.

Por fim,  vi e ouvi o ministro Joaquim Barbosa condenando os intocáveis.

Não quero mais não. Renunciei ontem. (Sérgio da Costa Ramos)

Aproveito esta publicação para informar aos leitores que está faltando muito mais que tempo para eu atualizar o blog. Falta disposição. Minha vida profissional tem sugado minha paciência e energia. Minha página no Facebook, porém, é atualizada diariamente com notícias diversas, pois lá não se exige as formalidades que gosto de impor ao meu blog.

Aqui, devo voltar à frequência somente após as eleições. Até lá, um ou outro artigo, para não parar.

(A publicação do texto foi expressamente autorizada pelo seu autor)

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