Subvenções: das irregularidades à tragédia - parte final

Finalizando a série de artigos sobre o tema "subvenções", iniciada pela postagem "A farra das subvenções", e, em seguida, "Subvenções: a origem", publico hoje este post com informações exclusivas, baseadas em documentos oficiais e depoimentos.

O que observo diante de tudo o que já se falou e escreveu é que os membros diretivos de entidades - parece - não tomam as devidas cautelas ao gerir o patrimônio e valores de suas entidades, não se preocupando com a legislação e com as consequências penais que suas ações e omissões podem acarretar, sendo presas fáceis de pessoas gananciosas que se utilizam dessas entidades para obterem vantagens financeiras ou políticas.
De outro lado, os associados que apenas têm seus nomes vinculados à determinada entidade, mas dela não participam efetivamente, deixando - como se diz - que meia dúzia administrem como melhor lhe convierem. Pode-se ponderar que, em muitos casos, pedir a prestação de contas pode ser interpretado como uma ofensa.

Bem, conclui-se que quando se critica a corrupção, como se ela estivesse muito distante de nós, como se ela fosse fruto somente de ações de políticos, é querer fechar os olhos e negar que ela está muito mais próxima do que queremos enxergar. E, de alguma forma, somos partícipes, coniventes ou nos posicionamos indiferentes a esse mal que corrói nossas instituições e prejudica o desenvolvimento do país.

Sobre o post de hoje, esclareço e afirmo que o objetivo da publicação não atende a qualquer outro interesse senão de levar aos leitores do blog informações que merecem ser de conhecimento público, pois as denúncias apresentadas na imprensa sobre as subvenções são de natureza grave.

No dia 07 de abril de 2011, José Alex Fernandes, 35 anos, foi encontrado morto com um tiro na cabeça, depois de deixar uma carta impressa e assinada a sua esposa. Jarlene F. B. Fernandes, esposa de Leco, como era chamado, reconhece a assinatura no documento como sendo dele.
O conteúdo da carta nunca foi revelado à imprensa, pois Jarlene não pretendia que fosse feita qualquer divulgação. Decorridos 5 meses, mantive contato com ela, a qual disse que, hoje, gostaria que parte da carta fosse divulgada, "para que todos saibam" o motivo pelo qual seu marido cometeu suicídio (a maior parte do conteúdo da carta é de foro íntimo do casal).

Quando publiquei o artigo "Os números do suicídio", coincidentemente publicado quando se completavam exatos 5 meses da morte de Leco, Jarlene leu o post e deixou lá seu comentário.

Confesso que pensei várias vezes antes de escrever este artigo, mesmo após receber autorização de Jarlene para divulgar informações exclusivas. É diferente de tudo que já escrevi. É sobre a morte e a vida de pessoas; não é nada abstrato.
Mas se Jarlene confiou a mim o direito de escrever sobre tamanha tragédia, não quis desapontá-la. O sentimento que traz consigo, além da tristeza que sente pela falta de seu marido e amigo, não é de vigança, mas o de querer que se faça justiça.
Ela entende que Leco foi envolvido em um esquema de irregularidades.

Leco era presidente da Associação Coral Sant'Ana de Mirim, localizado no distrito de Mirim. Bastante religioso, envolvia-se em projetos sociais e buscou subvenção para um projeto com aulas de violão para crianças e adolescentes.
Certo dia, aparecem dois funcionários do governo do estado em sua porta, e o informam que foram constatadas irregularidades na prestação de contas da subvenção recebida. Leco ficou estupefato!

De acordo com Jarlene, a partir desse dia seu marido "fechou-se". Ela notou a inquietude de Leco, mas ele refugiou-se em si mesmo.
Várias semanas depois, Leco quebrou o silêncio e relatou sua preocupação com o que estava ocorrendo e falou das irregularidades apontadas por auditores da fazenda estadual, com referência à subvenção recebida pela associação que ele presidia.

Dentre as irregularidades, Jarlene afirma que tem conhecimento de que o número de camisetas adquiridas e distribuídas no projeto social desenvolvido não corresponde ao que consta na nota fiscal, as quais foram confeccionadas em Imbituba e não em Laguna, como se fez constar. O valor apresentado na nota também foi muito superior ao que foi gasto.
Disse ainda que aulas de música (teclado, voz, contra-baixo) não foram ministradas, mas notas de prestação de serviço foram emitidas em relação a isso, totalizando quase R$ 20 mil!!!

Leitor, daqui em diante, as informações são transcritas de documento oficial emitido por auditores da fazenda estadual:
"No dia 08/12/2010, na inspeção in loco, a equipe entrevistou o Sr José Alex Fernandes, presidente da Ass. Coral Sant’Ana de Mirim – entidade que recebeu recursos financeiros do Estado no valor de R$ 41.747,50, referente à compra de matérias diversas para oficinas conforme Plano de Aplicação, o qual apresentou os seguintes esclarecimentos:

-Que a sede da entidade funciona no Salão Paroquial do Bairro Mirim;
-Que os recursos teriam sido viabilizados por meio do Deputado Altair Guidi;
-Que não é o primeiro repasse de recursos que a entidade recebe;
-Que conhece todo o trâmite do processo e que o contador, Sr. Mário César de Souza (presidente da Associação de Moradores de Nova Brasília, entidade que também foi beneficiada pelo repasse irregular de recursos) elaborou a Prestação de Contas, mas esta teria sido entregue, em Florianópolis, por um amigo do declarante da empresa Santo Anjo, em janeiro, mas que não tem o protocolo de entrega;
-Que ficou surpreso quando recebeu o Ofício informando que não houve Prestação de Contas dos recursos recebidos;
-Confirmou o recebimento dos recursos pela entidade e disse que os mesmos teriam sido utilizados no projeto coral;
-Que apresentou cópia dos autos do processo de Prestação de Contas, contendo cópia das notas fiscais, dos recibos e dos cheques emitidos para pagamento das despesas;
-Mostrou no computador a lista de presença dos alunos que fizeram aulas, mas informou que quem fazia o controle era o professor que ministraria tais aulas;
-Que inicialmente foram inscritos mais ou menos uns 80 alunos, mas que apenas uns 30 teriam concluído o curso;
-Que os violões estão no Centro Comunitário de Mirim, local que teriam sido ministradas as aulas, em sala fechada. Porém, não estava com as chaves do Centro Comunitário. Portanto, não seria possível mostrá-los a equipe de Auditores;
-Que não possui mais nenhum folder do projeto, que foi tudo uilizado na época, e que os CD's foram todos distribuídos para os alunos;
-Que teria sido realizada uma apresentação final em dezembro, na Igreja do Bairro Mirim;
-Que no sítio www.festadomirim.com.br possuiria algumas fotos do evento intitulado Recital de Natal, realizado em 06/12/2009.
Na conclusão dos auditores, depois de informarem "que não foi possível constatar se todos os itens, como por exemplo, 500 camisetas (...), 250 apostilas, 250 CD's virgens, 150 CD's com cifras e partituras e 5.000 folders - foram realmente adquiridos e distribuídos", relataram:
Em face das constatações conclui-se que, além da irregularidade do repasse, também não se verificam elementos de convicção capazes de confirmar a efetiva utilização dos recursos em projeto, atividade ou ação de cunho social. Pelo contrário, muitos indícios apontam para malversação dos recursos, corroborando com a tese de fraude contra o erário levantada no Relatório de Auditoria 0055/10." (grifei)
No mesmo documento os auditores informam qual o motivo da auditoria realizada.
É de assustar, leitor, a facilidade com que saía dinheiro do caixa do governo. Segundo dados informados pela auditoria, 111 entidades teriam recebido subvenções sem a necessária assinatura do governador do estado.
Diz o relatório:
Conforme consignado no Relatório de Auditoria nº 055/10, o repasse dos recursos a que se refere esta Informação procedeu-se de forma fraudulenta (grifei):
"Ao que se apurou, tais repasses foram realizados à margem do processamento normal das subvenções, visto que não constam das listas de autorização pelo governador, não figuram nas planilhas de controle da unidade, tampouco foram encontrados processos regularmente autuados para tal finalidade".
"Tendo em vista que a concessão de subvenções depende de expressa autorização pelo Governador do Estado, consoante art. 6º da Lei nº 5.867/81, constata-se que aludidos repasses não gozam de qualquer legitimidade". (grifos no original)
[...]
"Os fatos e constatações relatados nos tópicos anteriores, embasados em documentos dos quais se extraíram as cópias que formam o anexo I (volumes I a XXII, fls 01 a 6.649) do presente processo,revelam indícios suficientes para inferir que não se trata de mera inobservância de procedimentos inerentes a concessão de subvenções".
"Trata-se de uma fraude contra o erário público em benefício de terceiras pessoas, fato que merece investigação minuciosa e aprofundada a fim de identificar todos os envolvidos, bem como a destinação dos R$ 6,3 milhões repassados para 111 entidades conforme relação anexa dos autos (fls 59 a 62)". (grifos no original)
Leitor, as perguntas que deverão ser respondidas após investigações do Ministério Público é, dentre tantas, quem liberava o dinheiro? Eram os próprios dirigentes de entidades que buscavam essas subvenções ou havia intermediação de pessoas estranhas a essas entidades? Havia pagamento de comissão? Os dirigentes das associações beneficiadas foram ludibriados ou eram coniventes com as irregularidades?

Uma pergunta que Jarlene pretende ver respondida é: seu marido morreu em vão? Ou seja, os culpados serão identificados e punidos?
Não cabe a nós nem a ninguém, hoje, diante desses fatos, fazer qualquer juízo de valor sobre as atitudes de Alex. Entendo que ele foi juiz de si próprio e aplicou a ele mesmo uma pena muito maior que lhe cabia. Se é que cabia.

Mas por que Alex escolheu a pena capital para punir a si próprio, com graves reflexos a sua família? Seus motivos ele tentou justificar na carta que deixou a sua esposa. Parte do conteúdo, com autorização de Jarlene, publico abaixo:
"Jar, sei que não está sendo fácil entender o porquê do meu ADEUS PARA SEMPRE!

Mas, acredito eu, que cedo ou mais tarde tudo virá à tona. Me meti numa cilada sem saída.
Possivelmente passaria por notícias nos jornais, internet, sem falar em polícia, fórum etc... não suportaria tudo isso.
Depois daquele dia em que o pessoal da auditoria estiveram lá em casa, venho contando os últimos dias de minha vida... não pus fim nela antes, porque brotava em mim esperança, de que tudo seria resolvido, mas, vejo que não tem solução. Errei! não fiquei com nenhum centavo dos repasses para mim, pode acreditar nisso!!! Passei tudo para outros, alguns deles nem sei quem é. Mas peço que a justiça seja feita, pois a minha sentença já foi dada com minha vida.
Espero que você entenda.
(...)
Nunca duvides de meu amor por ti. Só fiz isso com minha vida, pois não encontrei outro meio e não aguento mais.

Não consigo mais digitar!

QUE MINHA FAMÍLIA ME PERDOE!

Leco
Imediatamente abaixo do texto, produzido em impressora matricial, foi escrito manuscritamente a seguinte frase: "-VOCÊ SABE DE QUEM PROCURAR POR JUSTIÇA (...)", cuja grafia Jarlene, familiares e amigos próximos que tiveram acesso à carta reconhecem como sendo de Alex.

Leitor, o que foi escrito após a última frase foram dois nomes de duas pessoas, que substituí pelo símbolo "(...)". Elas são moradoras de dois municípios distintos, e por questões estritamente jurídicas, seus nomes pessoais não serão revelados nesta postagem.

É lamentável que um fato apontado por auditores da fazenda como "fraudulento" termine com o suicídio de uma pessoa que disse ter sido envolvida em uma "cilada".
Uma família sente a dor pela ausência de alguém, mas anseia que não haja falta de justiça.

(Observação: para qualquer fim midiático, é proibida a divulgação deste artigo sem mencionar a fonte, ou reprodução dele, mesmo de forma parcial, sem a devida e expressa autorização minha.)

(a gravura foi extraída do Blog Tok)

12 comentários:

  1. Olá Sérgio e Leitores do blog,
    Uma dúvida ainda paira sobre minha mente: Por que dois jornais de nossa região quando divulgaram listagem das entidades inadimplentes em 2009, não expuseram o nome da Ass. Coral Sant’Ana de Mirim e o de uma outra Ass. de nossa cidade? No sítio www.sef.sc.gov.br pude constatar a presença de 18 entidades totalizando 25 subvenções. Os dados dos jornais não fecham com o do sítio. Por que? Quando aceitei relatar ao Sérgio o pouco que sabia não tinha, como não tenho sentimento de vingança, até porque sei que esse me machucaria ainda mais, porém busco com esse relato divulgar o que aconteceu com minha família. Não cabe a mim como esposa, nem a ninguém acredito, julgar o ato do meu marido. Se haverão culpados, se vai acontecer algo, se alguém será punido, não sei. Entretanto não posso ficar parada pensando que meu marido morreu em vão.

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  2. O pior de tudo que um dos envolvidos é secretário de uma importante pasta da administração municipal. Anda por aí com a cabeça bem erguida, com a cara de pau mais deslavada se achando um "exemplo para sociedade hipócrita de Imbituba", enquanto o Alex, ceifou a própria vida, deixando saudade e sofrimento a sua família.


    Simplesmente um absurdo!

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  3. Lindinha,

    Se meu pensamento estiver correto a outra pessoa envolvida é um político de um município vizinho, não extremante, mas vizinho.

    Obrigada por teu comentário!!

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  4. Jarlene,

    Não desista de clamar pela justiça neste caso... temos que levantar esta bandeira e tirar as máscaras destes hipócritas.

    Um grande abraço

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  5. É minha intenção sim, clamar por justiça.
    Mas, veja vc: Quantas pessoas leram esse post? E quantas tiveram coragem de comentar?

    Sinto-me fraca as vezes, sem muita coragem...mas, já que comecei não vou parar mesmo assim.

    Valeu!!

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  6. Sou irmão do José Alex Fernandes e também não vou descansar enquanto a justiça não for feita. As pessoas envolvidas, aquelas que ele deixou os nomes na carta, podem aguardar porque nós e a justiça chegaremos até eles. Não sabem o estrago que fizeram em nossa família. A dor que causaram!!!
    Eu confio na justiça e estamos nos mexendo para isto!!!

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  7. Jarlene, precisamos então fazer as pessoas lerem este artigo. Fazer propaganda. Enviar para todos os nossos amigos daí e de todos os lugares.
    Vamos a luta!!!!

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  8. Vejam, não existe depressão alguma, não existe traição. O que existe é muito pior. Corrupção afetando uma família inteira, sem pudor algum, trazendo dor, sofrimento e a sensação de que a justiça não existe. Mas creio que existem pessoas boas, prestes as nos ajudar, e ainda há esperança de ver cada um deles pagando na cadeia. Isso nem parece um suicídio e sim um homicídio. VERGONHA DESSA GENTE QUE SÓ ENTENDE A PALAVRA PODER, QUE NÃO LIGA PARA O SENTIR.

    Terá justiça e o meu padrinho não será o primeiro nem o ultimo a cometer esse erro pelo pecado alheio. Pense, isso poderia ter acontecido com qualquer um de nós.

    Repassem, a comunidade imbitubense não poderá fechar os olhos para tanta injustiça.

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  9. Espero que o Ministério Público tome partido destas investigações e realmente investigue o que é necessário.

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  10. O que acontece é que porque se essas pessoas não tem culpa, e simplesmente podem ajudar, porque não procuram a polícia e esclarecem tudo? ninguem está fazendo juízo de valor de ninguem, nem caça as bruxas, só que se estão limpas apareçam, deêm suas caras a bater, HUMILDADE, CARATER E HONESTIDADE, são principios básicos...CORAGEM MINHA GENTE CORAGEM!!!

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  11. enquanto esta farra corre solta nos aqui na minha cidade teremos que devolver dinheiro a prefeitura da subvenção que recebemos no ano 2011/2012 o valor de 7.000,00 neste periodo demos mais de 300 oculos a população fazemos todo ano campanha nas escolas sobre a visão das crianças pagamos cirurgias de cataratas fazemos campanhas da obesidade e hipertensão e doamos cestas básicas e ajudamos o asilo mensalmente com todos produtos de limpeza e fizemos doações de 20 colchões hospitalares mas o prefeito que entrou tem uma certa rincha com uma pessoa do nosso grupo e pediu a devolução alegando que as contas nossas não foi aprovada pelo TC gostaria muito te ter conhecimento para fuçar nestas contas ou ver onde consigo saber sobre quem recebe é pra qual finalidade é a subvenção se tiver um site especial sobre isso gostaria que me indicasse um abraço e achei um blog excelente

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  12. Eu não conhecia o Blog nesta época, mas os comentários que chegaram ao meu conhecimento são idênticos a postagem. Eu gostavam do Alex, o conhecia na Santo Anjo e sempre o julguei honesto, razão pela qual o fato me abalou muito. Ontem ao ler o Click Sul, depois de ter lido teu status, me senti com esperança de que outras entidades das quais tenho informações semelhantes, sejam atingidas pela moralização que estamos vivendo. São quadrilhas atuando também em Imbituba.

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