FHC: a coerência entre o sociólogo e o presidente

Por Arrison Berkenbrock

Nunca escondi minha admiração pelo sociólogo e presidente Fernando Henrique Cardoso. Muitas vezes, durante conversas e controvérsias com professores na qual tive oportunidade de debater, citava as ideias e destacava os avanços que o Brasil alcançou em sua gestão. Tal postura levou muitos colegas de trabalho a concluir, equivocadamente, que o ideário do jovem a quem escutavam se coadunava com os princípios “neoliberais”. Ledo engano.
Apenas acredito que FHC merece ser avaliado com senso de justiça e equidade. Atitude que, na minha visão, inexiste em alguns profissionais da educação.

FHC é da geração fundadora da Sociologia no Brasil. Como teórico social, suas principais contribuições se referem à realidade social da América Latina e, de modo mais específico, a dependência sócio-econômica enfrentada pelo continente supracitado. É no livro “Dependência e desenvolvimento na América Latina”, escrito em parceria com Enzo Falleto, que encontramos as principais ideias de Cardoso. Ideias essas que, mais tarde, durante seus oito anos de mandato, encontraram terreno para germinar e, por conseguinte, dar frutos (a qualidade dos frutos fica a critério do leitor).

As políticas governamentais de FHC refletem a análise científica do sociólogo. Não há paradoxo, mas seguimento. Muitos leitores devem estar se perguntando: Ora, mas não foi o próprio FHC que afirmou “esqueçam o que eu escrevi”? Tal afirmação não seria a prova inconteste do abandono de suas próprias ideias? Pois bem, FHC nega que a tenha pronunciado. A propósito, o seu mais novo livro “Relembrando o que escrevi: da reconquista da democracia aos dias atuais”, busca reiterar suas convicções políticas, bem como elucidar a coerência entre o sociólogo e o presidente.

O ideário continua o mesmo. Acontece que nas teorias de FHC, desde tempos idos, subsiste a crença segundo a qual o desenvolvimento da América Latina, portanto, do Brasil, acontece de forma integrada. Para o sociólogo, a dependência do Brasil diante de outros países não é necessariamente uma política equivocada. Destarte, a integração do país com o mundo não é algo somente necessário, mas desejável. É na associação, e não no isolamento, que a condição de subdesenvolvimento poderá ser superada.

Logo, ao iniciar sua reforma econômica que objetivava inserir o Brasil no contexto de um mundo globalizado, FHC não renegou suas teorias. Novamente, ele entendeu que o caminho a ser tomado seria aquele que admitia a integração como um fato inexorável e que, apesar da dependência, o Brasil poderia obter resultados positivos. Trata-se, portanto, de um novo rumo que, por um lado, sepultou o combalido nacional-desenvolvimentismo e, por outro, implicou na liberalização da economia e na reforma do Estado. Tais medidas foram classificadas por muitos como “práticas neoliberais”. Tenho minhas dúvidas! Prefiro não entrar no mérito.

Independentemente da avaliação que podemos fazer de FHC, não há como negar sua contribuição no entendimento da realidade brasileira e global, de modo que não há como entender o passado e o futuro do Brasil sem fazer uso de suas teorias. Ainda é cedo para avaliarmos objetivamente o seu desempenho como estadista, embora alguns traços já podem ser traçados. Lula já os identificou e, pelo jeito, pretende manter incólumes.  Será que Lula sofre da mesma miopia analítica que FHC ou o caminho é esse mesmo? Avante!

3 comentários:

  1. Paulo Henrique Schlickmannfevereiro 16, 2010

    A realidade crua é mais amarga. FHC era uma esperança ao povo, e é inegável sua popularidade.
    O que é inegável também são suas práticas neoliberais, por mais que reluta-se para tirar este fardo das costas, do ex-marxista FHC, é impossível negar.
    Seus estudos na CEPAL comprovam isso, quem não leu Celso Furtado, não diria que a mais perfeita saída para a América Latina era gozar das mazelas do capitalismo (FMI, Banco Mundial, OMC, entre outras). Furtado e FHC são saberes claros de uma latina ao modo Guatánamo.
    Nosso Estado é gigante e nosso capitalismo corporativo é nulo, mas segundo Ignácio Rangel, o capitalismo corporativo será outra etapa que deve surgir com nossas forças e não vender nossas conquistas e tudo segue. É um problema! são soluções destintas para o mesmo problema. Hiperinflação - desvalorização cambial - Estado bruto. Enfim, caminhamos para trás e se recriou o Pão e Circo no país das maravilhas. Futebol e Bolsa Família.

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  2. Caro Paulo,
    De antemão, obrigado pelo brilhante comentário. Acerca do mesmo, gostaria de expor alguns pontos que postulo subsquentemente:
    -Ricardo Antunes certa vez afirmou que o FHC veio da esquerda para imprimir um governo de direita. Concordo! Cardoso de fato advém de um nicho esquerdista. Todavia,trata-se de um esquerda reformista, e não revolucionária;
    -FHC dá continuidade as reformas iniciadas por Collor. Reforma esta que implicava na liberalização da economia e na reforma do Estado . Contudo, se este pecou por uma espécie de bonapartismo aventureiro( o super Collor), o segundo confere a essas mudanças uma "racionalidade acadêmica".
    -Mais frustrante do que FHC só Lula! O retirante nordestino, genuíno signo do Brasil pobre
    que criticava veementemente as reformas impingidas no governo FHC, ao assumir o governo dá continuidade a esse mesmo paradigma e, diga-se de passagem, acentua as reformas iniciadas pelo príncipe do real. Por conseguinte, asseverando a evasão do fluxo de capital para o sistema financeiro mundial, esgotando a produção de nossas riquezas.
    Para aqueles que esperavam pelo iniciar de mudanças na política econômica no governo LULA, foi demasiadamente desesperador ver que as medidas adotadas pelo seu governo em nada diferem de seus antecessores (Collor e FHC).
    Arrison.

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  3. Paulo Henrique Schlickmannfevereiro 17, 2010

    Na primeira questão, não era minha intenção comparar FHC e LULA. Mas concordo que há uma continuidade, principalmente em relação aos pólos de poder, que não houve ruptura como se esperava. Os grandes bancos e os latifúndios improdutivos, continuam comandando o país. Em relação a esta continuidade aceito sim, além é claro, dos assistencialismos; mas sou ferraz na crítica, quando escuto que não houve mudanças na produção, na regulação econômica e principalmente na politicaa cambial. Enfim, os números responderiam por mim.
    Aí devemos isso a Meireles, Pallóci, Mercadante, entre outros, homenágens póstumas a Ignácio Rangel e a instituição UNICAMP, que educaram estes caras. É supreendente tamanha mudança de rumos, nos tornamos enfim em possivel País do futuro.
    Devemos também ao FHC, nunca neguei isso, mas nunca uma prostituta se prostitui para garantir orgasmo constante. Tão logo FHC ao implantar o REAL, não poderia garantir a estabilidade, tão pouco que daria tudo certo.
    Enfim, "racionalidade acadêmica alegórica" ao meu ponto de vista, sem razão para seguir, se segue o mais lucrativo! (EM URNAS). Não adimito o modo PSDB de propaganda, o principe do REAL e o Deus dos GENÉRICOS, que puta desprezo eu tenho! Assim sigo!

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