Mais um policial civil catarinense pede exoneração e deixa carta de desabafo sobre condições de trabalho

A situação precária da Polícia Civil de Santa Catarina fez mais uma vítima. Fruto de administrações desastrosas na segurança pública do estado, o efetivo dessa instituição está muito aquém do necessário. Delegacias com pouquíssimos policiais não conseguem atender à demanda, muito menos prestar os serviços com a qualidade que deve e o contribuinte necessita.

Nem os policiais civis sabem o que está acontecendo. Não se sabe o que pretenderam as passadas e a atual administração pública, que deixou o efetivo policial chegar a um número miserável, prejudicando de forma mortal as atividades da Polícia Civil catarinense.

Por mais que a imprensa - ainda de forma tímida na maioria dos municípios - queira mostrar o caos que se instalou, não conseguirá realmente mostrar o que está vivendo a maioria dos policiais civis do estado, que cumprem escalas de trabalho desumanas, escalas de sobreaviso pelas quais não são remunerados, ou trabalhando em duplas jornadas já reconhecidas pelo Judiciário como ilegais, mas que o estado apenas empurra com a barriga através de recursos jurídicos, sem resolver o problema que está se transformando em uma bomba relógio. E você já sabe em quais mãos ela explodirá.

Creio que muitos policiais estão no limite de sua capacidade de suportarem tamanha pressão psicológica, tanto pelas condições de trabalho, quanto pelas reclamações infinitas dos cidadãos que chegam à delegacia e exigem, com razão, receber a prestação de serviço pelo qual pagam, e pagam caro.
Em muitas delegacias, as prefeituras estão contribuindo com funcionários comissionados, cedendo-os para os serviços administrativos policiais, como também acontece em Imbituba. E esta obrigação pelos serviços policiais não é do município, mas do estado, esse elefante branco que deseja abraçar todos os portos que estiverem ao seu alcance, como o de Imbituba, mas não consegue ser eficiente no que mais a população precisa.

-De acordo com o Sindicato dos Policiais Civis de Santa Catarina, atualmente o efetivo da Polícia Civil é composto por 3200 policiais, sendo que o necessário seriam 6750 policiais. Entre 2011 e 2014, o número aumentou em apenas 147 policiais, considerando os que foram contratados e os que saíram por motivos diversos.

-Através deste link você poderá assistir a entrevista do presidente do sindicato ao Jornal do Almoço.

Nesta semana, uma página de notícias do Facebook mostrou um dos graves problemas vividos pela Delegacia de Polícia Civil de Imbituba, que você poderá ler aqui. O próprio delegado de polícia, há mais de um ano, já esteve na câmara de vereadores de Imbituba apresentando a situação local.
Recentemente, rebati aqui um político de nossa cidade, cargo comissionado no estado, que tentou, também no Facebook, culpar a administração municipal pelos problemas locais na segurança. Entretanto, sabe muito bem ele que o problema não é só local, muito menos da administração citada.

Lamento tudo isso e a apatia da população, que nada procura fazer para pressionar o governo e exigir contratação imediata de novos policiais civis. A mesma apatia se estende aos deputados estaduais, governistas e oposição. Enquanto isso, continuaremos a ler cartas como a que já publiquei aqui, e agora mais uma, como você poderá ler, de autoria do agora ex-policial Ícaro Kruger Stuelp:

Dois anos, sete meses, dezoito dias.
Esse é o tempo que estou na Policia Civil de Santa Catarina. Este é o tempo que “estou policial”.
Estou policial pois é uma condição que se aplica, não nasci assim e vim comunicar aos colegas que não mais assim serei.
Hoje entreguei a arma, o colete, a algema e a funcional. Pedido de exoneração já foi encaminhado. Hoje encerro minhas atividades na Policia Civil de Santa Catarina.

Dois anos, sete meses, dezoito dias.
Foi um tempo em que aprendi muito, evoluí muito, e do qual me orgulho pelo que fiz e pelas pessoas com quem convivi. Hoje eu sei que eu aprendi nesse período coisas da vida que não aprenderia em lugar algum.

Estou saindo não por ter passado em outro concurso, não pelo dinheiro não fazer falta, nem por simples e pura vontade.
Estou saindo porque aprendi, nos últimos meses, que o que mais vale para o ser humano é ser tratado como tal, o que mais vale para o ser humano é a qualidade de vida, e o que mais vale para o indivíduo é ter um objetivo.

Sairei sem ter passado em outro concurso, sem poder me sustentar por conta, sem algo em vista. Mas sairei. Não aguento mais as condições de trabalho na Polícia Civil.

Não aguento mais ver as nomeações políticas para certos órgãos. Não aguento mais ver as pessoas reclamando de salário quando o maior problema é que não realizamos a nossa função. Se nós fôssemos policiais no sentido literal da palavra não estaríamos registrando boletins de ocorrência que não vão dar em nada. Estaríamos investigando. Mas isso é privilégio de poucos.

O Estado perde muitos policiais por não saber valorizar a mão de obra que tem. Conheço muitos policiais que querem ser policiais e se todos fôssemos colocados para realizar nossas funções trabalharíamos e renderíamos inúmeras vezes mais do que o esperado.

Se pudéssemos ser policiais, nós investigaríamos, passaríamos dias e noites resolvendo casos e nem nos preocuparíamos com as horas trabalhadas. A paixão de muitas das pessoas que estão na polícia e a paixão de muitas pessoas que deixam a polícia é a polícia. Eu não gostaria de sair. Mas a última coisa que sou é policial. Eu sou “beólogo”. E olha que só no tempo que estou na DPCAMI de Joinville realizei, com o apoio de incríveis policiais que por aqui passaram e que por aqui continuam, quase uma centena de cumprimento de mandados de busca e apreensão, mandados de prisão, solução de casos emergenciais de “Maria da Penha” e prisões em flagrante.

Infelizmente foram vários policiais que deixaram esta delegacia e que deixaram a Polícia Civil este ano. Comigo são seis pessoas a menos no efetivo da DPCAMI de Joinville, sem qualquer reposição.

Há policiais muito dedicados que estão saindo em busca de algo melhor. Policiais que fizeram muito pela policia de uma forma geral. Dentre eles menciono a ex-policial Bia Alvarez, que trabalhou na DPCAMI de Joinville e que todos conhecem por sua notória garra, vontade e caráter. Ela fez muito pela policia, mas infelizmente também nos deixou. Eu sinto a mesma coisa, não tive um terço da capacidade dela, mas me esforcei ao máximo para fazer o melhor, mas mesmo assim ouvi por algumas vezes que “prego que se destaca leva martelada”.

Desejo a todos que ficam uma boa sorte. Se quiserem continuar brigando por salário, continuem. Não vão melhorar nada e logo estarão brigando por salário novamente. Não é de dinheiro que somos feitos. É de objetivos. Se quiserem brigar a boa briga, se quiserem uma luta que valha a pena, briguem para que a Polícia Civil possa cumprir sua função exclusiva, investigar e solucionar crimes. Aí a valorização do serviço será consequência necessária.

Desejo a todos a melhor das sortes.

Obrigado a todos pelo tempo que passamos juntos.
Não se deixem usar.
A vida é feita de decisões e decisões nunca são fáceis. Essa decisão não foi fácil pra mim, mas tenho certeza que foi a mais acertada.
Gostaria de encerrar com a definição de Eisnten para insanidade, que me fez muito sentido ultimamente. Para ele Insanidade é fazer repetidamente a mesma coisa e esperar resultados diferentes.

Leitor, o político ao qual fiz referência acima sugeriu que fossem criadas comissões em Imbituba para se tentar resolver o problema na segurança local. Há uma frase atribuída a Tancredo Neves que diz o seguinte: "Quando não se quer resolver um problema, basta montar uma comissão para estudá-lo."

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