INCRA fará estudos em Imbituba para identificar comunidade quilombola

No dia 12 de fevereiro recebi mensagem do INCRA informando sobre início de trabalhos em Imbituba para identificar possível existência de comunidade quilombola no município e, constatando, iniciará processo de regularização fundiária. Como nunca ouvi falar em comunidade quilombola por aqui, estranhei a iniciativa da autarquia federal. Contudo, publico a seguir o conteúdo recebido:

"A Superintendência do Incra em Santa Catarina efetivou a contratação de quatro empresas para a elaboração de relatórios antropológicos de cinco comunidades remanescentes de quilombos e tradicionais do estado. Os extratos dos contratos foram publicados nas edições de 15 e 16/01 e 04/02 do Diário Oficial da União.

Os relatórios antropológicos devem trazer características detalhadas das comunidades, fornecendo dados técnicos para que o Incra dê andamento ao processo de regularização fundiária destas áreas. As cinco comunidades a serem enfocadas nos estudos agora contratados são: Aldeia e Areais da Ribanceira, localizadas em Imbituba; Caldas do Cubatão, em Santo Amaro da Imperatriz; Morro do Fortunato, em Garopaba e Santa Cruz (Toca), em Paulo Lopes. A comunidade Vidal Martins, de Florianópolis, que também teria empresa contratada para efetuar seu estudo, optou pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para realização do relatório. “A UFSC manifestou interesse em fazer este relatório e abrimos o processo para que um acordo de cooperação seja firmado, com plano de trabalho específico para este fim”, explica Sessuana Paese, chefe da Divisão de Ordenamento do Incra/SC.

Comunidades participam e fiscalizam


A fim de preparar as comunidades para receber os profissionais que realizarão os estudos, a equipe do Incra está promovendo reuniões nestas localidades. Na ocasião, são repassados os detalhes de como será o trabalho de elaboração do relatório, que tem prazo de execução de nove meses a partir da assinatura da ordem de serviço.

Cada comunidade será estudada por três profissionais: um coordenador mestre em Antropologia com experiência comprovada em trabalhos de delimitação de comunidades e dois assistentes com nível superior. Eles serão responsáveis por pesquisar documentos históricos e bibliografia existentes sobre cada comunidade, efetuar observação participante com, no mínimo, quarenta dias em campo com a comunidade, levantar a produção agrícola e áreas de preservação, elaborar mapas da área e apresentar proposta para delimitação da comunidade.

“Os trabalhos serão fiscalizados por comissão de servidores do Incra e também pela comunidade, que será consultada sobre o trabalho e a conduta dos profissionais”, revela o antropólogo do Incra, Marcelo Spaolonse. Spaolonse explica, ainda, que o trabalho de cada empresa acontecerá em três etapas que compreendem a apresentação do plano de trabalho, o trabalho em campo e a organização de relatório parcial e, por fim, a apresentação do relatório final.
A partir da última semana de fevereiro, as equipes contratadas começam a ser apresentadas às comunidades em reuniões que irão dar início efetivo aos trabalhos em campo."

Leitor, diante do teor da mensagem, questionei ao INCRA qual qual benefício trará à comunidade esses estudos?

Resposta: "A elaboração dos relatórios antropológicos é uma parte fundamental do processo de regularização das comunidades quilombolas. Eles são a base técnica que confirmam a origem do território e permitem ao Incra dar prosseguimento à desapropriação das áreas, sua consequente regularização e destinação às famílias quilombolas."

O que são quilombolas?

"As comunidades quilombolas são grupos étnicos – predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana –, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o País existam mais de três mil comunidades quilombolas."

"Conforme o artigo 2º do Decreto 4887/2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”." (Fonte: INCRA)

E fiz mais algumas perguntas:

Nesse processo consta o número de famílias que seriam beneficiadas? Vocês possuem um cadastro delas? Como identificar essas famílias?

Resposta do INCRA: "O relatório antropológico é um dos primeiros passos para identificar a história do local e de seus moradores e a sucessão de domínio da área reivindicada pela comunidade, por isso, ele dá subsídios para a etapa subsequente que é o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). Somente quando chegarmos nessa etapa do RTID o Incra fará um cadastro das famílias. Mas é importante destacar que os territórios quilombolas são titulados pelo Incra em nome da comunidade, então, embora possamos falar de um número de famílias residentes no local após o levantamento, o benefício do título em si é da comunidade como um todo.

A título de esclarecimento, não se trata de um projeto, mas do Programa Brasil Quilombola, que reúne ações do Governo Federal para as comunidades remanescentes de quilombos. Dentre os 23 ministérios e órgãos federais envolvidos, cabe ao Incra promover a regularização fundiária ou seja, emitir título do território que, de acordo com o relatório antropológico, seja efetivamente remanescente de quilombo. Lembro mais uma vez que esse título é coletivo, emitido em nome da associação da comunidade, sendo pró-indiviso (proibida a venda e o desmembramento)."

Hoje, recebi mais uma mensagem do INCRA, na qual indicava um link no Facebook para acesso a conteúdo desse estudo em Imbituba, conforme segue:

“Quando era criança, plantávamos oito, dez roças de mandioca, comia tudo a base de farinha e também pagava com farinha o armazém. Dava trabalho viver, mas o gosto do meu velho era ver aquele engenho funcionando e hoje eu tento manter isso. Mas fiquei sem um lugarzinho para plantar um pé de capim”. As lembranças de Aurino de Souza e dos demais moradores da Comunidade Tradicional de Agricultores e Pescadores Artesanais dos Areais da Ribanceira, localizada no município de Imbituba(SC), a 90 km de Florianópolis, serão o principal subsídio aos estudos dos pesquisadores que iniciaram na última quarta-feira a elaboração do relatório antropológico da comunidade.



Primeiro passo para o reconhecimento do território, os estudos foram contratados pela Superintendência Regional do Incra em Santa Catarina a fim de obter dados históricos, antropológicos, ambientais e produtivos para avaliar a possibilidade de regularização da área pleiteada pelas famílias.

Na primeira reunião de trabalho com a equipe, a maioria dos participantes exibia, sob o chapéu de palha, cabelos grisalhos e rostos marcados pelo tempo e pelo sol. São agricultores descendentes de famílias que há mais de um século cultivam e processam mandioca nos areais, extraem da mata o butiá para uso na alimentação e artesanato e praticam no mar a pesca artesanal. Entretanto, ao longo dos anos, a comunidade foi sendo expropriada da área ocupada - hoje reduzida a cerca de 10% da original. “Isso aqui todo mundo plantava, uns morriam, deixava para os outros, mas uns e outros começaram a cercar. A gente queria era ficar aqui, mas eles queriam tirar”, relata Ana Cardoso.
Resistência
Marlene Borges, presidente da Associação Comunitária Rural de Imbituba (Acordi) - que reúne cerca de 60 associados que lutam pelo resgate da comunidade -, explica que grande parte da área foi repassada do patrimônio público ao privado em negociações suspeitas e que não levaram em consideração os ocupantes tradicionais. “Apesar disso, quem continuou na posse da terra foi a população tradicional e não o governo e as empresas”, defende. Mas em 2010, a instalação de uma grande empresa reduziu muito a área cultivável, afetando a sobrevivência da comunidade. “Criei seis filhos nessa roça, mas agora não tem mais terra. É pouca”, disse José João Farias.

Hoje, a intenção do grupo, que conta com o respaldo do Ministério Público Federal (MPF), é buscar regularizar a posse tradicional da área. “Ninguém aqui quer terra pra repartir, mas acredito que a terra deve ser de quem trabalha nela e se há lei, iremos conseguir”, argumenta Luis Farias.
Passo a passo
Para contemplar toda a história e as necessidades da comunidade, a proposta, segundo Wladimyr Sena Araújo - antropólogo responsável pelo relatório -, é que o trabalho seja uma construção coletiva, “que tenha o olhar comunitário e também a avaliação técnica”.

A primeira etapa consistirá na realização de entrevistas e reuniões a fim de fazer a elaboração de mapas de uso, ocupação, cultura, entre outros. No período também serão realizadas pesquisas históricas com base em documentos pessoais e oficiais e serão consideradas outras pesquisas já realizadas no local por órgãos públicos e organizações não-governamentais. O prazo para conclusão dos trabalhos é de nove meses. “O Incra estará sempre presente acompanhando os trabalhos da equipe e a expectativa é de que o resultado abra um leque de ações em benefício da comunidade”, conclui Sessuana Paese, chefe da Divisão de Ordenamento do Incra/SC."

Leitor, se não se localizou no mapa geográfico, a área de terras que poderá ser repassada à possível comunidade quilombola é aquela adjacente à Votorantim, sendo que essa empresa ocupou parte das terras que chamavam de Areais de Ribanceira.

4 comentários:

  1. Caro Sérgio,

    A CF/88, fruto dos movimentos sociais que agitaram a década de 80, buscou garantir a proteção de direitos individuais, especialmente das populações minoritárias, dentre os quais figuram os remanescentes de comunidades de quilombos. No que tange a estes, o constituinte entendeu por bem assegurar a titularidade das terras ocupadas por seus ancestrais, nos moldes do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o qual estabelece:

    Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

    Tradicionalmente, os quilombos eram regiões de difícil acesso, afastadas dos centros urbanos, nas quais os escravos refugiados se reuniam e criavam aldeias para sua subsistência. Como você salientou, o art. 68 da ADCT é regulamentado pelo Decreto 4887/03, que, em seu art. 2o, define como remanescentes dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

    Para que seja reconhecida a titularidade das terras para a comunidade, nos moldes do art. 68 da ADCT e do Decreto 4887/03, é necessário que esta observe os requisitos da lei, isto é, os integrantes da comunidade devem descender dos negros escravizados e refugiados naquela região geográfica.

    Faz-se mister esclarecer que os mencionados dispositivos não objetivam a promoção da “justiça social” de todo e qualquer segmento carente da população, mas sim, a correção da hipossuficiência econômica e social, tão somente, deste grupo historicamente discriminado. É importante que os critérios legais sejam fielmente observados, sob pena de desvirtuação do instituto.

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    1. Não vejo no grupo que ocupava as áreas pretendidas qualquer vinculação com a etnia negra. Salvo melhor análise, as pessoas ali instaladas possuem características de descendência açoriana.
      Obrigado por esclarecer melhor o tema, Mariah!

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  2. Na foto não vi um sequer que tenha a descendência necessária. Os presentes são todos descendente de açorianos sem mistura com outras raças. Este pessoal luta por outros direitos que julgam ter sobre a posse destas terras e estão sendo usadas em benefício de quem, talvez até da corrupção que envolve o País.

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    1. Sim, César. Sua observação é a mesma que a minha, desde o tempo anterior à "desapropriação".

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