Quem merece ser chamado de pai?

Hoje é dia dos pais. Muitos comemoraram; outros, não. Muitos ganharam presentes; outros, não. Muitos puderam abraçar seus pais; outros, não. Muitos receberam beijos de seus filhos; outros, não. Muitos gostariam de abraçar seus filhos; outros, não. Muitos adiaram compromissos para ficar com seus filhos; outros, não. Muitos podem ser chamados de pai; outros, não.

Em comemoração ao dia de hoje, trago à reflexão o ótimo texto de Neimar de Barros, publicado no livro Deus Negro:

Sabe, meu filho, até hoje não tive tempo para brincar com você.
Arranjei tempo para tudo, menos para ver você crescer.
Nunca joguei dominó, dama, xadrez ou batalha naval com você.
Percebo que você me rodeia, mas sabe, sou muito importante e não tenho tempo.

Sou importante para números, conversas sociais, uma série de compromissos inadiáveis...
E largar tudo isso para sentar no chão com você... Não, não tenho tempo!
Um dia você veio com um caderno da escola para o meu lado. Não liguei, continuei lendo o jornal. Afinal, os problemas internacionais são mais sérios que os da minha casa.

Nunca vi seu boletim nem sei quem é a sua professora. Não sei nem qual foi sua primeira palavra; também, você entende... Não tenho tempo...

De que adianta saber as mínimas coisas de você se eu tenho outras grandes coisas a saber?

Puxa, como você cresceu! Você já passou da minha cintura, está alto! Eu não havia reparado nisso. Aliás, não reparo em quase nada, minha vida é corrida.
E quando tenho tempo, prefiro usá-lo lá fora. E se o uso aqui, perco-me diante da TV. A TV é importante e me informa muito...

Sabe, filho, a última vez que tive tempo para você, foi numa cama, quando o fizemos!

Sei que você se queixa, que você sente falta de uma palavra, de uma pergunta minha, de um corre-corre, de um chute na bola. Mas eu não tenho tempo...

Sei que você sente falta do abraço e do riso, de andar a pé até a padaria, para comprar guaraná. De andar a pé até o jornaleiro para comprar "Pato Donald". Mas, sabe, há quanto tempo não ando a pé na rua? Não tenho tempo...

Mas você entende, sou um homem importante. Tenho que dar atenção a muita gente. Dependo delas... Filho, você não entende de comércio! Na realidade, sou um homem sem tempo!

Sei que você fica chateado, porque as poucas vezes que falamos é monólogo, só eu falo. E noventa por cento é bronca: quero silêncio, quero sossego! E você tem a péssima mania de vir correndo sobre a gente. Você tem mania de querer pular nos braços dos outros... Filho, não tenho tempo para abraçá-lo.

Não tenho tempo para ficar com papo-furado com criança. Filho, o que você entende de computador, comunicação, cibernética, racionalismo? Você sabe quem é Marcuse, Mc Luhan?

Como é que vou parar para conversar com você? Sabe, filho, não tenho tempo, mas o pior de tudo, o pior de tudo é que...
Se você morresse agora, já, neste momento, eu ficaria com um peso na consciência, porque, até hoje, não arrumei tempo para brincar com você.

E, na outra vida, por certo, Deus não terá tempo de me deixar, pelo menos, Vê-lo!

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